quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Feliz Natal...

...e que o mesmo de 2010 seja melhor que o mesmo de 2009.


Elegia 1938 - Carlos Drummond de Andrade

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.

Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século, a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Orkut: a especularização do cotidiano


Gostaria de começar esse texto com uma experiência:

Eu acordo, levanto da cama, pergunto o que tem pra comer, escovo os dentes e vou tomar café. Sento no sofá e penso no que tenho de fazer durante o dia. Penso no que está certo, no que está errado, ligo a TV, me chateio por ter ligado e não achar um desenho que preste, vou para o computador ver os emails, leio, se precisar sair, saio, volto, faço o que tenho de fazer, vejo ou ligo minha namorada, digo coisas bonitas, discuto as vezes, faço ligações, vou ao banheiro, ouço música, almoço, descanso, saio, fico em casa, vejo o jornal da noite, vou rever os emails...e por ai vai.

Terrível, né? Contando assim parece muito chato, um verdadeiro exemplo do que há mais corriqueiro na vida. E logo nós, jovens, que estamos sempre falando em viver cada instante como se fosse o último. Logo nós, adultos, que muitas vezes vivemos uma adolescência prolongada. Esse exemplo é apenas uma descrição sumária de um dia da semana na minha vida. Mas, e seu eu narrasse isso aqui durante uma semana, um mês, um ano, cinco anos, e junto a mim várias pessoas diferentes também contassem o que fazem da hora que acordam ao último “pum” que soltam antes de dormir? Contando o que gostam e o que odeiam para outras pessoas que estão o tempo todo também fazendo o mesmo, falando sobre si mesmas. Pois, isso é o Orkut, e lá isso é o que há de mais essencial: contar o cotidiano, o ordinário.

A idéia desse texto surgiu da indignação de uma amiga quem me disse: “estou pensando em matar o meu Orkut”. Perguntei o motivo e ela falou: “cansei de ver esse povo velho se mostrando, fazendo caras e bicos aqui”. O engraçado é que na hora que ela disse isso respondi: “não faça isso, Orkut é assim mesmo”. Depois pensei: “qual a diferença dela matar o orkut dela ou não?” A amizade continua a mesma”. Ai percebi o quanto essa coisa de vida virtual ganha cores de uma quase segunda vida. Dizer que vai matar um perfil não deveria ser algo tão problemático que a gente precisasse pensar tanto para fazer. Porque, fora algumas exceções, qual a verdadeira serventia do Orkut? Encontrar pessoas com quem perdi contato? Bom, das pessoas que adicionei no Orkut (e vice-versa) por tê-las reencontrado virtualmente, mantenho, com a maioria delas, a mesma relação que mantinha antes, só que agora virtual, ou seja, continuam sendo pessoas com quem perdi o contato e ainda pior, a distância antes era presencial, hoje é também virtual. E ainda acabo vendo o que elas andam fazendo todo o dia. Não parece um contra senso? Perde-se o contato com alguém, mas se sabe tudo sobre a vida dela. E a tendência é esse tipo de socialidade se acentuar cada vez mais, visto que, agora o Orkut até sugere amigos...certa vez um garoto me adicionou e eu perguntei de onde ele me conhecia. O cara responde: vi você na sugestão de amigos.

O Orkut parece amplificar de uma maneira muito estranha as relações com as pessoas e com as pequenas coisas da vida. As Novas tecnologias de comunicação como MSN, Orkut, fotolog, blog, twitter são formas de promover uma estandartização, uma espetacularização do cotidiano, do banal. Daquilo que, na frente de uma pessoa seria totalmente descabido comentar com tanta ênfase. Tem gente que não vai na esquina sem mudar o status do MSN com alguma frase, tipo: fui ali na casa de fulaninha fazer “num sei o quê” e volto em meia hora. Que vai comprar pão e coloca mais 20 fotos novas no Orkut. Vai “descer um barro” e posta no twitter. Cada momento parece ser algo pra se guardar, mesmo que seja totalmente comum, trivial. Gosto das coisas simples da vida, mas não vamos exagerar. Parece haver uma imagem a se guardar o tempo todo, em cada foto, uma maneira de se proteger do anonimato através da tentativa se ver constantemente reproduzido em vários lugares. Um perfil do Orkut muitas vezes me lembra aqueles quadros de Andy Warhol em que uma imagem é repetida diversas vezes em cores diferentes.


Uma tentativa de mitificar a própria imagem. Um mundo onde todas as janelas levam a você, quando na verdade, vários outros vive essa mesma sensação de que são únicos. Tudo é apavorantemente colorido, enfeitado e com mil e uma possibilidades de exercício narcísico. É o seu dia e sua vida contada com imagens, vídeos, som e se tivesse cheiro, não duvido que algumas pessoas colocassem a sua própria comida no orkut.Os sentimentos estão sempre a flor da pele, todo mundo ama, abraça, sorri, beija, adora o tempo todo e todos tem algo interessante pra dizer, um álbum cheio de preferências, de livros, de bandas, de coisas que fazem parte de sua vida, mas que precisam ser divididas, pois todos precisam saber quem você é. Claro que eu sou uma pessoa suspeita para falar, como sempre sou me qualquer texto, pois sou desconfiado com efusividade, com demonstrações de afeto exageradas ou com defesas extremas das preferências. Sou um chato, em resumo.


Mas é claro que o Orkut tem a sua utilidade. Conhecer eventos, ver as fotos de um show, baixar livros, músicas etc. O problema é que tudo isso vem flutuando em meio em um mar de entulho cotidiano, em meio a vários jogos do "beija ou morde?", do "você pegaria a pessoa acima?" ou de "pega ou passa fora?". Obviamente que é um lugar de informação. Se é pra usar o termo "navegar", diríamos que, navegar no orkut é fazer um passeio pelo rio tiête da vaidade, mas onde ainda é possível encontra coisas que valem a pena ser lidas, vistas e comentadas.


Mas não se preocupem, sou tão parte disso quanto qualquer um de vocês. Faço parte desse pacto silencioso de vigilância (ou monitoramento para os mais eufêmicos) da vida alheia.Do vouyerismo de cada dia. É justamente por ser exagerado e parcial que esse texto pode ser lido, divulgado ou execrado. E isso é algo que pode incomodar as pessoas que conseguem ver muita utilidade no orkut. Mas acho que não são muitas e é por isso que sinto, no fim das contas, a sensação de que NINGUÉM VAI LER ESSA MERDA.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

COBERTURA ESPORTIVA Festa, violência e impunidade

Repassando do Observatório de Imprensa: www.observatoriodaimprensa.com.br

Por Luciano Martins Costa em 8/12/2009
Comentário para o programa radiofônico do OI, 8/12/2009


Depois da segunda-feira (7/12) em que as imagens da violência mancharam as comemorações no final do campeonato nacional de futebol, a imprensa faz uma abordagem rápida e superficial dos acontecimentos, e segue a vida.

Na televisão, as emissoras da Rede Globo deram destaque muito maior à invasão do campo no estádio Couto Pereira, em Curitiba, do que às cenas dos conflitos entre torcedores de facções rivais do Flamengo, que se engalfinharam nas ruas próximas ao estádio do Maracanã após a vitória contra o Grêmio de Porto Alegre.

A Rede Bandeirantes dedicou muito tempo e comentários aos dois acontecimentos, e seus comentaristas cobraram medidas das autoridades, lembrando que o Brasil precisa adotar medidas para prevenir a violência associada a jogos de futebol. Afinal, vamos sediar uma Copa do Mundo em 2014.

Nenhuma cobrança

Tudo indicava que os jornais retomariam as antigas campanhas pelo controle das torcidas organizadas. Mas nada aconteceu. Merece registro apenas a iniciativa do Globo, que na primeira página em sua edição de terça-feira (8/12), afirma que o Brasil foi "reprovado no teste da Copa".

O texto constata que houve má gestão na partida final do campeonato, desde a desorganizada venda de ingressos até a confusa entrada dos torcedores no Maracanã, além das cenas de selvageria no estádio do Coritiba.

No rescaldo das cenas vergonhosas, registra-se apenas a interdição do estádio Couto Pereira e algumas ações da polícia, como a detenção de dois vândalos por desacato e o indiciamento de um motorista que causou a morte de um jovem ao fugir de uma confusão de torcedores.

Nenhum anúncio de medidas mais eficientes contra as hordas que invadem as ruas em dias de jogos de futebol, nenhuma cobrança mais efetiva das autoridades por parte da imprensa.

Problema escondido

Faz pouco mais de seis meses que o jovem corinthiano Clayton Ferreira de Souza foi espancado até a morte por torcedores do Vasco da Gama, numa das semifinais da Copa do Brasil deste ano.

Na ocasião, os jornais publicaram apenas as versões da polícia, que liberou os suspeitos, e ignorou as evidências de que havia ocorrido uma emboscada e que a própria Polícia Militar havia criado as condições para o conflito.

Não há notícias de mais investigações, e os assassinos podem contar com a impunidade.

Os clubes entram em férias, e mais uma vez o problema da violência nos estádios vai para baixo dos tapetes das redações.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Cadáver Pega Fogo durante o Velório: uma linda reflexão para o dia de Finados.

Capa do disco

O dia de Finados já passou. Lavamos túmulos, levamos flores, choramos e dedicamos aquele respeito aos que nunca valorizamos em vida. A morte melhora todo mundo. Claro que relembrar os mortos tem um papel simbólico importante. Ainda mais se pensarmos que como todo bom feriado, deve ter acabado em muita cerveja, que torna a memória ainda mais seletiva e os afetos exacerbados. A questão é que não relembro os mortos, mas, como gosto de alguns vivos, é para eles que ofereço essa linda reflexão sobre o dia de Finados. Essa é letra da música Flores de plástico ao amanhecer dos cariocas do Fernando Pellon e Renato Costa Lima, lançadas no disco Cadáver Pega Fogo Durante o Velório. Esse é um disco de samba, lançado em março de 1983, e que é indispensável por um motivo simples: é um clássico para quem adora música politicamente incorreta. Para quem acha que Rogério Skylab é um gênio, está faltando ouvir esse. O álbum foi censurado durante um ano pela ditadura militar e até hoje ainda é meio desconhecido, circulando em blogs e comunidades do Orkut. Ser censurado pela ditadura não parece ser grande coisa se pensarmos em todos os autores, cantores e compositores censurados no Brasil durante o período. Mas o que torna esse disco maravilhoso são as letras, que misturando poesia ao estilo Augusto dos Anjos, possuem um senso de humor sinistro e falam de escatologias, violência urbana, morte, loucura, suicídio, masoquismo, prostituição e por aí vai. Tudo regado à base de muito samba. E nesse “por aí vai” é que entra essa letra que colocamos aqui. A reflexão de um morto sobre o dia de finados. Tive contato com esse disco em 2008 e me apaixonei logo de cara. A capa traz a foto dos integrantes da mesma maneira como eram anunciados os procurados pelo regime militar. Em volta das fotos, notícias recortadas do jornal carioca A Ultima Hora. As composições são todas de Fernando Pellon e Renato Costa Lima. Os convidados especiais no disco são Synval Silva, Nadinho da Ilha e Cristina Buarque, além de João de Aquino e Paulinho Lêmos nos arranjos.



Atualmente o Fernando Pellon é geólogo da Petrobrás. Vejam o currículo do cara. Ainda há uma esperança para nós, músicos:http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4707219H1

Download do disco completo: http://www.4shared.com/file/113644979/ab2b6936/Cadver_Pega_Fogo_Durante_Velrio.html

Flores de Plástico ao Amanhecer

Cadáver Pega Fogo durante o Velório.
Composição: Fernando Pellon e Renato Costa Lima


No dia de finados
Constatará o mundo
Minha memória reverenciada
Bateste em retirada
A mim não deves mais nada
Com tua consciência estás desobrigada
Só sei que quando contemplei flores de plástico
Ao amanhecer ornando a minha tampa
Quase levantei indignado a tampa do meu pesado ataúde
Quis fazê-lo, mas não pude por estar debilitado
Um cadáver, um coitado em estado precário de saúde

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Guidable: a verdadeira história do Ratos de Porão


Ano de Produção: 2008
Produtora: Black Vomit Filmes
Gênero: Documentário
Duração: 121 min.
Suporte: DV CAM, colorido
Direção: Fernando Rick
Co-direção: Marcelo Appezzato
Produção: Fernando Rick, Marcelo Appezzato, João Gordo
Edição: Fernando Rick, Marcelo Appezzato
Fotografia: Rodrigo Terra
Correção de Cor: Bruno Malkaviano
Som Direto: Juliano Zoppi; Câmera: Rodrigo Terra, Fernando Lamb, Marco Fernandes, Moreira
Finalização de Áudio: Eduardo Beraldo, Juliano Zoppi; Pesquisa de Arquivo: Fernando Rick, Marcelo Appezzato; Stills: Marcelo Appezzato; Arte de Poster e Capa: Gabriel Renner

GUIDABLE: termo criado pelos integrantes da banda para definir confusão mental, bagunça generalizada ou simplesmente um sei lá. Também pode ser usado quando não se acha a palavra certa no momento apropriado. Muitas vezes substitui o foda-se com eficiência.

Bom, nunca resenhei nenhum filme por aqui. Mas a ocasião é especial por se tratar de algo que fez e ainda faz parte da minha vivência. Estamos falando do documentário “Guidable: a verdadeira história do Ratos de Porão”. São 121 minutos divertidíssimos, informativos (pra quem gosta da banda) e ainda tem uma lição de moral no fim (quase uma fábula). O filme foi rodado entre os anos de 2007 e 2008 pela proutora Black vomit. Se é a verdadeira história do Ratos de Porão eu não sei dizer. E sei dizer menos ainda se é um bom documentário no tocante a sua produção. Enquanto algumas bandas e artistas investem um bom dinheiro para que suas histórias sejam exibidos nas grandes salas, como é o caso dos Paralamas do sucesso e do "ilustre" deputado Frank Aguiar, dá pra notar que Guidable foi um filme de baixo orçamento. Mas isso não é algo tão essencial a se considerar, até porque não existe uma relação diretamente proporcional entre a qualidade de um filme e seu orçamento. Não imaginaria a História do Ratos de Porão narrada em forma de um longa-metragem, como o que foi feito para contar as peripécias burguesas de Cazuza, por exemplo. Não há nada de novo na forma de contar a História do grupo. A narrativa é linear e tem como eixo a discografia do RDP. O bom é por ser uma síntese sobre a memória de três décadas dessa importante banda do rock/hardcore brasileiro através da seleção de fontes, que geralmente se encontram dispersas na internet, em revistas, arquivos pessoais e na cabeça dos próprios integrantes e entrevistados. Destaque para a riqueza dos depoimentos que não mascaram os conflitos existentes entre antigas formações da banda e das considerações feitas por figuras do punk nacional, como o Redsón do Coléra. Em certos momentos o filme ganha um ar de terapia de grupo com platéia quando ouvimos as queixas e mágoas acumuladas por 30 anos.

Tudo isso são constatações óbvias e essa que vêm é mais ainda: Narrar a História do RDP é a narrar um pedaço da História do movimento punk no Brasil e as dificuldades de se “viver” da música e da arte independente. Eu poderia até ir mais longe e dizer que o documentário fornece um exemplo sobre os malefícios do abuso de drogas descrito pela boca dos próprios integrantes do RDP, mas acho que seria uma lição muito boba e fácil, até por que eu fiz mais rir do que refletir sobre isso. Vamos deixar essas lições para outros segmentos da cena alternativa que tem mais propriedade para falar sobre o assunto. O documentário foi apresentado em Aracaju na sessão Notívagos do Cine Cult, na virada do dia 03 para o dia 04 de Outubro. Reclamou-se da data e do choque com outros eventos da cidade. Bom, se quisermos tanto sair da nossa suposta “condição provinciana” não podemos agir como tal e achar que por ser cidade pequena todo organizador tem que marcar eventos em dias diferentes pra todo mundo possa assistir e não chocar com mais nada. Uma característica do circuito cultural de grandes cidades é justamente a possibilidade de escolher aonde ir.

Quanto ao filme, destaco alguns pontos. São hilárias as passagens sobre as “baianagens” (palavra do guitarrista Jão) da primeira turnê do RDP na Europa ou as apresentações do RDP no Gugu e em programas infantis para cumprir obrigações contratuais com a gravadora Eldorado.Tudo isso tá no youtube. Mas, uma coisa em especial me toca nesse documentário. O fato de ser a história de uma banda de pobres. Parece que é mais gostoso ver um monte de caras saídos da merda ganharem o mundo fazendo o que gostam ao invés de celebrar o sucesso dos bem nascidos. Em qualquer lugar presenciamos isso e a forma como esse tipo de banda enche a boca pra dizer que batalharam muito tempo. Na verdade sempre tiveram todas as condições de mudar de estado, comprar boa aparelhagem e um monte de amigos infiltrados nos grandes canais de comunicação. Aqui em Aracaju a coisa é mais escancarada, por que tudo é tratado no personalismo e de forma bem aberta. Perdoem a leitura meio classista, mas eu acho que quem tem ou já teve banda e já juntou dinheiro do trabalho pra comprar um pedal de guitarra, um amp, um kit de pratos de bateria ou gravar uma demo sabe do que estou falando e se identifica com as histórias sobre não tocar por falta de material ou não ter dinheiro pra prensar seu próprio material etc e tal.

A sessão apresentada no shopping Jardins terminou com o show da Karne Krua, que também tem uma longa estrada e, inevitavelmente, era a banda ideal para fechar a noite. Gostaria de terminar com um leve exercício de colunismo social destacando como digno do “porão” o comportamento de algumas pessoas. Fumaram quando pediram que não fumassem, falaram alto durante o filme incomodando quem queria assistir, levantaram e passaram toda hora na frente da tela. Teve cara que saiu de casa pra dormir durante a sessão e colocar os pés na cadeira das pessoas em frente. E durante o show conseguiram o impossível: chamar mais atenção do que a atração da noite fumando um baseado que podia ser apreciado melhor em outro lugar.Seria ótimo se o público amadurecesse junto com o crescimento do cenário alternativo.Na verdade, seria o ideal, mas vivemos a arte do possível.



Mais detalhes do filme no site: http://www.blackvomit.com.br/guidable

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Guerra De Facão - Falcão e Zé Ramalho (Composição: Wilson Aragão)

Confesso: sou fã!




A dor do cocho é não ter ração pro gado
A dor do gado é não achar capim no pasto
A dor do pasto é não ver chuva a tanto tempo
A dor do tempo é correr junto da morte
A dor da morte é não acabar com os nordestinos
A dor dos nordestinos é ter as penas exageradas
E a viola por desculpa pra quem lhe pisou no lombo
e lhe lascou no cucurute vinte quilos de lajedo.
Em vez de achatar pra caixa-prego o vagabundo,
que se deitou no trono e acordou num pau-de-sebo.
Eh eh eh boi, eh boiada, eh eh boi
A dor do jegue, tadin, nasceu sem chifre
A dor do chifre é não nascer em certa gente
A dor de gente é confiar demais nos outros
A dor dos outros é que nem todo mundo é besta
A dor da besta é não parir pra ter seu filho
A dor pior de um filho é chorar e mãe não ver.
Tá chegando o fim das épocas, vai pegar fogo no mundo,
e o pior, que os vagabundos toca música estrangeira
em vez de aproveitar o que é da gente do Nordeste.
Vou chamar de mentiroso quem dizer que é cabra da peste.

A dor do sol é que ele não conhece a noite
A dor da noite é que não tem mais seresteiro
A dor do seresteiro é o medo da polícia
A dor da polícia é ter ladrão no mundo inteiro
A dor do mundo inteiro é que tá chegando gringo
A dor pior de um gringo é outro gringo do outro lado
Não sei se tô errado mas arrisco meu palpite
de acabar com as bombas "atromba", encoivarar os rifles,
tocar fogo em toda tenda que é de fabricar canhão.
Morre muito menas gente se a guerra for de facão...

sábado, 5 de setembro de 2009

Religiões e universitários


Fonte: http://perrusis.zip.net/images/Ateu.jpg

Até os treze anos eu rezava diariamente. Não sei o que aconteceu, mais isso perdeu toda a força em mim.Mentira. Eu sei o que aconteceu e é isso que eu vou falar nesse texto. Antes de ter contato com qualquer ciência, o pensamento sobre religião, Deus e a divina providência já haviam deixado de fazer qualquer sentido. Já dormia sem rezar e não tinha o mínimo remorso. Dormia como uma pedra. Hoje em dia, Deus (em seus vários nome) e a religião ( em suas várias formas) saíram totalmente do meu foco de interesses. Durante o período da universidade eu tinha uma posição que eu considerava mais retórica do que necessariamente um posicionamento. Eu me acreditava agnóstico, ou seja, (tentando fazer uma generalização didática aqui) defendia o pressuposto de que a discussão sobre a existência se fundamentava em dois lugares opostos que partiam da mesma natureza. Quem acredita não tem evidências e quem não acredita também não. Assim, a discussão é fundamentada em dois opostos. É como discutir Vasco e Flamengo pra saber quem é o melhor mesmo sabendo que um vascaíno não vai dizer que o Flamengo é bom e que um vascaíno também não faria algo do tipo. Ando pensando nisso a um bom tempo e principalmente porque eu venho descobrindo que o pensamento metafísico é mais forte do que se imagina na Universidade. Lembro dos primeiros períodos em que um amigo meu ao abrir um e-mail viu um convite para participar de um grupo de psicólogos cristãos. Isso mesmo! Psicólogos cristãos. Na minha tradução aquilo era igual a grupo de auto-ajuda. Abro um parêntese aqui, pois pra mim, da mesma forma que auto ajuda não é psicologia, Paulo Coelho não é Filosofia. Pronto! Protesto feito! Desculpe quem gosta, mas aquilo é um lixo. Lembro de sempre passar nos corredores e ver o pessoal da Aliança Bíblica Universitária da UFS cantando seus hinos de louvor e achava aquilo uma idiotice. Hoje em dia não acho mais, creio que um dos grandes sucessos que a História e as ciências humanas em geral conseguiram colocar em mim foi aprender a lidar com a diferença. Além do mais, eles pelo menos são fiéis a princípios que não são modismos. Pior são os universitários que do dia pra noite aderem a novas religiões, seitas místicas e coisas do tipo e que são os mesmos que vão criticar o catolicismo. Minha turma do curso de História estava repleta de evangélicos e católicos. Ao contrário do que se pensa, os ateus e afins eram minoria e ninguém mudou de crença por causa da História. Muitas vezes recebiam com maus olhos qualquer proposta que questionasse o Cristianismo. Acho que quem diz que História é coisa de ateu se baseou em um conhecimento muito restrito do que é realmente a História como oficio e a História ensinada. Já vi muito na Universidade, cadernos com capas de Nossa Senhora, Smilingüido (aquela formiga de luvas que tem nos produtos católicos) e coisas do tipo. Com o tempo isso se mistura em nossa vida e a gente vai percebendo que isso é normal. Assim, a academia e toda a sua carga científica, pelo menos nas Ciências Humanas, não tem essa força que se imagina. A ciência não tem esse poder de convencimento a ponto de fazer as pessoas repensarem crenças que foram resultado de anos de socialização de pais, professores etc. Mas ai eu acreditava que existia certo ponto onde isso cessava em quem ia além nos estudos de qualquer ciência ou pelo menos diminuía drasticamente. Engano meu. Recebo com muita freqüência dos colegas da pós-graduação, até mais do que gostaria, Power points com mensagens de fé, esperança, Cristo e Deus pra cá e pra lá, que tem alguém olhando por mim, e o dom vida e perêrê e parará. Isso reúne duas coisas que eu não suporto: Power points e mensagens religiosas. Conjugados, pior ainda. Sinceramente, acho um certo desrespeito, claro que não intencional, você partir do princípio de que todos têm uma crença no Deus e ainda mais no Deus ocidental ao enviar essas mensagens. Eu nunca enviei nenhuma mensagem dizendo: Vejam que belas palavras sobre o ateísmo e a descrença na religião. Parece que existe um consenso de que todos nós partimos de alguma crença religiosa e que, coincidentemente, ela se aproxima do cristianismo. E se eu mandasse uma mensagem budista? Ou com dizeres do Alcorão? Ou com cânticos da Umbanda e do Candomblé? Seria recebido da mesma forma? Só sei que essas coisas me fizeram repensar as minhas posições. Há muito tempo eu não pensava nisso e decidi que... vou fundar uma Igreja universitária!!! Ela reunirá todas as tendências. Será A IEUB (Igreja eclética universitária do Brasil). Será em um terreiro, com rodas de violão, charutos, hóstias e cristais e nosso Deus será um extraterrestre marxista que descerá da via láctea vestido de pai de santo e com uma bíblia na mão gritando como pastor trechos de filme de Almodóvar e com uma bandeira GLBTT na testa. Coisa de Pimba do mais alto nível. Todas as tendências. Hahahahahahaha. Gente...brincadeira. Não se trata disso, apesar de não parecer má idéia. Ciência não dá dinheiro mesmo em curto prazo. Na verdade, o que eu quero dizer vai parecer meio óbvio pra quem me conhece, mas eu percebi que definitivamente não acredito em Deus. Na verdade, não é uma questão de crer. Na verdade, nunca senti falta de Deus na minha vida. O pior é que a gente sempre ouve, principalmente das pessoas mais velhas que já pecaram muito e agora querem curtir o céu, que todo mundo precisa ter uma religião porque é preciso acreditar em algo. Mas e quem disse que eu não acredito em algo? Acredito na justiça social porvir, acredito no desenvolvimento da ciência, acredito que as coisas simples às vezes são as essenciais. Só não acredito em Deus. Nunca senti dessa “dor de barriga espiritual” de que as pessoas falam. O pior é que às vezes ouço de pessoas dizendo que “certas pessoas nunca conquistam nada, porque não tem crença em coisa alguma”. Nunca fiz qualquer barganha metafísica pedindo a Deus coisa alguma. E nunca o culpei pelo que não consegui. Melhor ainda, nunca fiquei em cima do muro dizendo, “não vou a Igreja, mas acredito em Deus” ou então “tenho um lado espiritual independente de religião”. 1. Não vou a igreja, a terreiro, a sessão de mesa branca se não tiver uma finalidade didática. Pensei em levar meus alunos para conhecerem um terreiro. Um professor logo me advertiu: “já tentei, mas as mães quando sabem da nossa intenção dizem que aquilo não é religião de gente”. Bom, a Cultura Afro está lá para ser dada e temos que responder a demanda curriculares e as demandas da comunidade. 2. Nem lado espiritual tenho. Não adianta vir com budismo, Umbanda, Espiritismo, Candomblé, Seicho No-Ie e qualquer culto que mexa com coisas sobre luz interior, luz da vida, paz interior, equilíbrio, essência, cristais, chácras, incensos, elefantes de vários braços e etc. E nem aquela religião que deixou Tim Maia mais maluco do que ele já era: A Cultura Racional e aquele papo de outras civilizações pára além da terra. Nada disso, pra mim estamos girando sozinhos no espaço, pra mim a vida é matéria, sem sentido determinado, uma luta constante, cheia de possibilidades e por ai vai! E isso foi fazendo sentido aos poucos. Sem forçar a barra, sem transitar em várias religiões pra tentar se encontrar ou para fazer parte de modismo universitários com as religiões “oprimidas”, sem comer hóstia, pagar dízimo ou incorporar entidade. A identidade muitas vezes se constrói por oposição ao outro e não sei se estou fazendo exatamente a mesma coisa optando por um lado definido. Eu ouço muito na universidade a “critica ao terror da Razão” e que a racionalidade pode estar a serviço da opressão e tudo mais. Mas acho que prefiro o discurso da racionalidade cheia de buracos ao discurso da fé. Pelo menos o discurso da racionalidade, por mais datado que seja, é o mais propenso a discussão e menos sujeito aos anacronismos, ou seja, querer sustentar valores que não cabem mais em uma sociedade moderna. Quando penso na bancada religiosa que barra os projetos sobre pesquisa sobre células tronco e sobre aborto percebo que fiz uma boa escolha. Concluo dizendo que, se Deus está em qualquer lugar, logo, ele está nesse blog. Quem sabe não é ele que está escrevendo para testar a fé de vocês. Quem sabe eu, Kleber Luiz, seja Deus e vocês nunca perceberam.


P.S: Deus com letra maiúscula é apenas questão de respeito às regras gramaticais.

domingo, 23 de agosto de 2009

O romantismo está no ar

A primavera me deixa romântico. Penso em uma música. E toda música traz uma imagem a cabeça. Mas não basta imagem, tem de haver poesia. Então, como não podia deixar de ser, fui a caça de algo que trouxesse um pouco mais de romance a esse blog. Essa linda imagem com um alto poder de sugestão, retirei do blog de uma amiga (http://apenasdeborah.blogspot.com/). Uma romântica incorrigível. A autoria da imagem é de Denisson vulgo "Preto papai".Ele estava realmente no clima da primavera.


sábado, 22 de agosto de 2009

Dicionário de sociologia para não-sociólogos.

Vocês sabem que toda vez que que não tenho nada a colocar no blog, sempre encontro uma besteira a altura das que escrevo. Eu tenho compromisso com o padrão desse blog. Quero dividir aqui com vocês um achado incomum. Uma de minhas colegas de mestrado colocou a disposição na internet vários livros. Entre eles estava um dicionário de Sociologia no mínimo cômico. Escrito por Hugo de Los campos, esse dicionário traz verbetes que passam longe de serem sociológicos, mas que valem a pena serem lidos. Destaco apenas um porque não consegui copiar e colar do texto do livro e estou com preguiça de escrever. O texto está em espanhol e sem legenda:


Burgués: Antigo personaje que se escondia a la hora de acumular riqueza e exhibía ostentosamente a la hora de despilfarrala. Sus descendientes más cercanos realizan essencialmente las mesmas actividades de su progenitor, pero se diferencian de aquel por no exhibir su mismo pudor al ejecutar la primeira(CAMPOS,1988,p.5).



Quem quiser, baixe em: http://www.4shared.com/file/68419772/db8300d7/DICIONRIO_DE_SOCIOLOGIA__em_Espanhol_.html

domingo, 21 de junho de 2009

Tempos modernos - espaços vazios (Diogo Monteiro).

Uma pequena apresentação: Gosto muito de frases de efeito. Tem um provérbio árabe que retirei da leitura de um livro do historiador Marc Bloch que diz assim: "Os homens se parecem mais com sua época do que com seus pais" .Diogo é amigo do início da graduação em História. Freqüentou sempre o mesmo espaço acadêmico que eu. Sujeitinho de escrita fácil e elegante, um cara simples e reservado. O texto que deixo aqui para vocês é produto, na minha opinião, de um saudosista. Ele é um cara que apesar de ser novo, possui cabelos brancos (sem brincadeira).Seu apelido na UFs era "Vovô Diogo". Isso só torna esse texto mais interessante. Em tempos de celebração da internet como convergência do mundo em um sistema reticular de comunicação que supostamente abarca (ou abafa ) todas as diferenças, esse texto pode mostrar que as frases de efeito, carregadas de sabedoria milenar, nem sempre são tão sabias assim. Cada coisa em seu tempo.
Espero que gostem:.



A contemporaneidade, marcada pela égide da globalização, tecnologias, informatização, Internet, reduzindo espaços, destruindo fronteiras. Será que nós, que vivenciamos toda essa euforia globalizante, das parafernálias digitais, realmente, sentimo-nos completos, preenchidos, alvos de todas as atenções do mundo?

As tecnologias digitais, do mundo da “net”, como alguns de meus alunos denominaram, com os “msns” e “orkuts” da vida podem até serem meios interessantes para quem pretende fazer novas amizades, e até mesmo iniciar um relacionamento amoroso. Apesar da parca experiência que tenho como usuário destes recursos tecnológicos, já pude perceber que eles são espaços geralmente “freqüentados” por indivíduos carentes, que vez por outra reclamam da própria existência, e que, no mais das vezes, estão mendigando um pouco da atenção das pessoas que estão do outro lado da rede.

Contatos vazios, sem rostos, sem cheiro, sem tato, apenas palavras, e palavras digitadas, impessoalidade extremada. Será que a pessoa com quem converso no “bate-papo” é realmente quem ela diz ser? Difícil saber. Mas estamos sempre lá, “teclando”, implorando a uma pessoa desconhecida, da qual nem sequer podemos ter garantias de poder conhecê-la pessoalmente, um pouco da sua caridosa atenção. O primeiro “oi” sempre gera expectativas, “será que vão corresponder ao meu chamado?”.

Já se foi o tempo em que os amigos encontravam-se casualmente na praça ou numa esquina qualquer do bairro onde residiam e devotavam horas e horas do seu dia a jogar papo fora, futebol, antigos e novos namoricos, confidências e até mesmo brincadeiras sem graça ou fora de sentido, onde tudo era motivo para risadas e fonte de assuntos para o repertório de conversas do dia posterior.

O leitor pode até me considerar um homem atrasado, antiquado, um “velhinho” quadrado e nostálgico, mas estou certo de que nada substitui o prazer de um bate-papo demorado, o contato direto, a convencional conversa tê-te-a-tê-te, seja ela com um amigo de infância ou com uma pessoa que se tenha conhecido recentemente. Penso que somente deste modo, podemos falar em novas experiências de vida, que permanecem durante muito tempo na nossa memória.

Se os anos forem generosos comigo, espero em Deus um dia poder ter muito o que contar para os meus netos, tecer relatos sobre as minhas experiências com os “chats” da Internet, que com toda certeza seriam concluídos com a seguinte afirmativa: “meus netinhos, a solidão foi o grande mal da minha geração.”
.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Jornais, Tv e dejà vu

Um avião cheio de franceses e brasileiros caiu no mar e ainda não se achou muita coisa. Essa seria uma das várias formas de dar uma noticia de forma séria e profissional. Mas por que a imprensa insiste em fazer com que saibamos os detalhes mais sórdidos do sofrimento alheio? Tenho uma hipótese: não é por compaixão. Graças à imprensa e a sua sede em “informar”, agora eu sei quanto tempo se leva pra morrer em uma queda de avião, como se morre, se a pessoa fica acordada e tudo o que se precisa saber para possivelmente não se entrar em pânico. Já me sinto preparado. Já posso especular sobre as infinitas possibilidades do que pode ter acontecido com os corpos. Já presenciei o sofrimento de dezenas pessoas que choram em todos os programas possíveis de televisão ao lado dos estudiosos sobre segurança e trafego aéreo, que deixam de produzir suas pesquisas para disputar 15 minutos de reconhecimento no programa da Ana Maria Braga. O pior é que colocam vitimas atormentadas pelo drama de perder um ente querido, e que muitas vezes querem que se faça mais do que se é possível fazer, ao lado dos técnicos que afirmam justamente que é preciso ter cautela. É pedir um confronto direto entre a opinião técnica e o sentimento. O engraçado é que em meios de comunicação diferentes, em que se supõem pessoas de formação diferente e supostamente tendências políticas divergentes ou pelo menos conflitantes, se consegue escrever e dizer a mesma coisa. Até os mesmos acontecimentos pitorescos da tragédia são narrados por vários jornais diferentes da mesma forma.

Pierre Bourdieu, em sua mania de querer falar sobre tudo, falou dos jornais e de sua tendência a homogeneização em um livro chamado “sobre a televisão”. Em resumo, os jornais seguem a lógica da concorrência e essa lógica, que é um dos pilares da economia liberal e defendida justamente por incitar a inovação, nos jornais funciona ao contrário. O valor de uma noticia é dado por quem a veiculou primeiro, ou seja, por um fenômeno que ele chama de “circulação circular da informação” (p.30). Assim, ler jornais diferentes significa estar em um grande dejá vu de informação. Diferencia-se quem traz o detalhe primeiro e não exatamente sobre o que se pode dizer diferente sobre o assunto. Todos os desastres são assim. Crianças jogadas da janela por pais maníacos, aviões que caem, chacinas e toda ordem de fenômenos que possam render algumas semanas de especulação sem sentido. Agora porque pegar uma matéria e insistir tanto nela? Na teoria do jornalismo isso tem um nome. É um troço chamado agenda setting. Em conversa pelo MSN, minha namorada me explicou o que é isso:

Para respaldar a influência da mídia de massa no que a sociedade discute, Maxwell McCombs criou, na década de 70, o conceito de agenda setting, no qual a mídia cria a agenda da sociedade, ou seja, determina o que os indivíduos vão discutir por meio de vários critérios como relevância e valor – noticia. Tratam-se de regras relacionadas ao conhecimento profissional do jornalista. O que deve ser omitido, acrescentado na noticia quando vai ser dada” (TOURINHO, 2009).


Entenderam? Mas agora vem o melhor. Quando perguntei o que geralmente se coloca como relevante para ser mostrado ou omitido e como essas regras são definidas ela me disse:


São vários critérios. Quando se fala em critérios de seleção em um jornal, isso se remete ao gatekeeper, que é o que têm o poder de decidir o que vai ou não para o jornal. É como se a mídia decidisse o que é relevante ou não para a sociedade. A gente escolhe o que vai dar matérias futuras pela possibilidade de repercussão delas na “agenda” da sociedade. Esse tipo de matéria, como a do vôo da Air France se encaixa nas chamadas suítes. Essas podem ser definidas como matérias que são continuação das anteriores com outro gancho (enfoque). Outra coisa que acontece muito no jornal é a distorção involuntária, que é a nossa autocensura. Quando a gente trabalha numa redação, não podemos escrever qualquer coisa porque não só vivemos das assinaturas dos leitores, mas de publicidade e outras coisas. E isso influi em tudo. Aí a gente se policia pra saber o que a gente escreve. O que estuda isso é o newsmaking, que é outra metodologia, é a chamada etnografia da comunicação, o qual estuda os critérios de noticiabilidade, a cultura profissional do jornalista. A cultura do jornalista entendida como os valores da profissão. A metodologia é a observação participante" (TOURINHO, 2009.)



Podemos tirar algumas conclusões desse trecho:

1. Diferente da novela das oito, jornalistas não são sujeitos combatentes do interesse das grandes e do abuso do poder econômico. Muitas vezes são instrumentos de manutenção dela, pois precisam defender o seu ganha pão. A profissão do jornalista só tem glamour. É umas das profissões mais mal pagas que já vi e que possui uma carga de formação intelectual relativamente grande para o salário que se ganha.
2. A ilusão de que ser um jornalista é automaticamente lutar contra o que há de opressor no mundo é balela. Um jornal é uma empresa e como empresa está também interessada em números, cifras e projeções de mercado. Mas não é só o jornalismo que precisa ser “des-romantizado”. A prática da ciência precisa ser vista com menos inocência. Nem mesmo a História escapa disso, na verdade, principalmente ela. Mas isso é assunto para outro texto.



Mas essa sensação de “já isso me algum lugar” não é um privilégio dos jornais. A televisão, como meio de comunicação de massa, dá a sua contribuição na produção em escala industrial dos bens culturais. Conseguiram lançar recentemente algo pior que o BBB. Trata-se de um programa chamado “A fazenda”. Bom, pelo menos do nome eu gostei. Sei lá, tem algo de cínico em trancar vários artistas desconhecidos, lutando por reconhecimento como animais em uma jaula e batizar esse programa com o nome de “fazenda”. Mas não é um programa exatamente igual. Não contentes em copiar o formato, eles exageraram. É pior porque é o exagero do que se tem de ruim no BBB. Conseguiram arranjar uma cara pior do que Dado Dolabella. Misturaram os artistas das novelas malucas da Record, com comediantes non sense, com ex VJ`s, modelos e todo tipo de gente que vive na corda bamba do ostracismo. A diversão alheia é narrada por Brito Junior, o arauto dos valores morais da sociedade. Lembrem dele por aquele programa de todas as manhãs na Record que tem um monte de apresentadores que falam de tudo, de crise financeira até receitas de empadão passando pela crise no Oriente Médio.

O que importa concluir é uma coisa que não tem muito a ver com o que falei até agora, ou seja, enganei vocês o tempo nesse texto. O que posso concluir através do exemplo é que os jornais e a TV tem uma parcela de culpa na sensação de tédio e de monotonia que as vezes sentimos na vida. As mesmas tragédias narradas no detalhes mais sórdidos. Os acidentes e o investimento televisivo no sofrimento alheio. Ana Maria Braga, Faustão, Fantástico, Ratinho, Hoje em dia e afins. Os escândalos acompanhados em flashes constantes na TV e nos jornais. Alguns temas são mascarados com pseudo-debates, como foi o caso da menina que foi violentada, engravidou e foi excomungada pela igreja. Todo dia, eram acrescentados detalhes mínimos sem qualquer importância com uma discussão séria, que só mobilizavam carolas fanáticos e ateus porra-louca. Sinto essa sensação de repetição principalmente nesse periodo de festas juninas. É tudo a mesma coisa. Eu sei que a repetição dos rituais na cultura gera a tradição (tomara que ninguém da Antropologia leia isso) e que as vezes as mudanças só podem ser sentidas em longa duração, ou seja, no passar de muitos anos é que identificamos as diferenças nos processos que pareciam sempre iguais. Por isso que as pessoas mais velhas sempre se queixam que os carnavais de antes eram melhores. Mas cá pra nós: tem coisa mais chata do que todo ano ver aquelas matérias com Pierre Feitosa e aquela gargalhada bisonha? Ou ver os flashes do Forró-Caju? Ou até mesmo ver pela tricentésima vez Geraldo Azevedo, Elba Ramalho e Zé Ramalho cantando pout-porri de Raul Seixas? E ver concurso de quadrilha? E ver pessoas vestidas de roupa listrada, bota e chapéu de cowboy? E aquela batida de forró na sua orelha por dois meses (pum pum pupupum pum). Não tenho nada contra jornalistas. Namoro uma. Não ligo mais para o que os jornais publicam de repetido, pois já tem gente demais se preocupando com isso. Esse texto é apenas exercício de escrita. Terapia para quem não gosta de jogar bola. Qualquer coisa do tipo. Apenas um lugar em que posso me dar ao luxo de ser senso comum, pois sei que NINGUÉM VAI LER ESSA MERDA.

domingo, 3 de maio de 2009

A praça

Depois de uma eternidade sem postar nada, eis que consegui um tempo para escrever as inutilidades costumeiras. Esse texto é um relato etnográfico do que vejo no caminho de casa na sexta e sábado a noite. Porque isso importa? Obviamente, por nada. Caso contrário não seria um blog. Enfim... toda vez que leio alguma poesia que possui uma praça como cenário, sempre aparece em minha cabeça a imagem de um lugar de árvores e sossego. Uma cidadezinha e tal. Mas hoje em dia as praças são lugares opressores. Opressores não só porque eu que convivi com outras formas de sociabilidade. Nos conjuntos residenciais, pelo menos onde moro, andar na praça é transitar em uma espécie de campo de batalha hormonal. Toda os jovens da localidade decidem se juntar ali e dar demonstrações daquilo que os fazem ser a juventude do século XXI: motos velozes, mini-shorts e sons de mala de carro. Uma batalha de sons incompreensíveis e de demonstrações simbólicas de poder baseada na posse de determinados bens. Toda vez que desço no ponto de ônibus em uma sexta ou sábado a noite e sigo em direção a minha em casa, atravesso uma praça, e a cena que vejo é: rapazes correndo em círculos ao redor da praça com suas motos e seus carros, cada vez maiores. Lá vem o primeiro perigo. Andar em uma praça assim é como ser um animal preso no meio da corrida de Indianápolis. Coincidentemente, a praça já tem o formato de pista oval. Sem maldade, mas acredito que muitos daqueles adolescentes não compraram aquelas motos, pois quem trabalha para comprar uma moto deve ficar muito cansado pra correr em círculos como uma hamster. Cada um tenta correr cada vez mais rápido como se o mundo fosse acabar. Na verdade, uma marca característica de ser jovem é viver como se o mundo fosse acabar amanhã. Depois que crescemos, lamentamos por isso não ter acontecido. Vou andando, e aproximando-se do olho do furacão, outra que percebo nas praças de hoje em dia é que perto das motos sempre há um grupo de adolescentes do sexo feminino, trajando as roupas as bonecas que brincaram na infância. É um fardamento tão corriqueiro em uma sexta a noite que até mesmo as mais desprovidas de atributos físicos utilizam aquela roupa apertada que exige das gorduras um ato de liberdade projetando-se a frente como um cartão adiposo de visitas. Coisas da moda. O que importa dizer, é que elas são o prêmio para os famigerados corredores. São o motivo de tanta pressa. Muitas delas lembram minhas alunas (coisa de velho, né?). Na verdade, algumas delas são minhas alunas. O engraçado é que, mesmo naquele lugar cheio de gente, se você usa as pernas para andar não será percebido. Explico: ser notado nas praças é ter duas rodas. E não vale Shineray. Dentro de uma escala, a Shineray é um elo perdido entre a moto e a bicicleta. A Shineray é para quem quer chegar a algum lugar. As motos potentes são para quem não quer ir a lugar algum. Vou andando e em meio aquele turbilhão, ao lado, você nota um grupo de usuários taciturnos, fumando um baseado e espreitando a felicidade alheia, de longe, porque ali nas luzes da praça é o lugar reservado para a felicidade materializada na posse de determinados bens, simbólicos ou não. Eles carregam um olhar moribundo, a cara de quem ficou de fora da festa, sempre falando baixo e olhando desconfiados nos quiosques afastados da luz. Quem acompanhava os X-men se lembra dos Morlocks: um grupo de mutantes subterrâneos que se escondiam do “mundo de cima”. Pois é, eles são uma espécie de Morlocks da praça. Vou andando. Nas calçadas, os espécimes machos (desculpe a analogia biológica, não resisti) que não estão na moto, estão fazendo a dança do acasalamento ao som dos sucessos da Bahia, que só existem mesmo para fazer as pessoas acasalarem, dando continuidade ao projeto divino de “crescei-vos e multiplicai-vos”. O engraçado é que não é só a dança, é a forma de delimitar o espaço. Quando passo perto de um cara se expressando de forma tão “animada”, ele me olha e deve pensar: Olha o rockero! O Cabeludo! Logo em seguida, ele começa a rebolar e dançar cada vez mais frenético esperando talvez que eu vá derreter ao contato com o Axé. Acho que ele pensou que eu poderia começar a bater cabeça para confrontá-lo em uma disputa tribal. Prossigo no caminho de casa. Nas mesas dos bares, as pessoas gritam no ouvido umas das outras, porque manter o status de ter o som mais alto da praça impossibilita o detalhe da comunicação entre os seres humanos. O próximo perigo consiste em ficar surdo. Na verdade, ficar mais surdo, pois quem me conhece já sabe que não ouço muito bem. Passo ao lado daquela mala aberta, que às vezes vale mais do que o próprio carro, com um grave que parece que o coração da gente vai sair pela boca. Se um dia, o fim do mundo for conduzido a toques de tambor, será semelhante ao som grave da mala dos carros. O pior é que a música desaparece encoberta por aquele grande TUM TUM TUM TUM TUM. Consigo escutar o grave depois de chegar em casa. Ele vai pra cama comigo. Enfim, o que temos até agora para configurar o nosso cenário? 1)Uma praça com pessoas andando em círculos ou dançando freneticamente para atrair a atenção das fêmeas. 2) Calçadas cheias de pessoas que ouvem o grave ensurdecedor de uma mala de carro sem conseguir conversar. Parece loucura. Mas é o caminho que faço para chegar em casa na sexta-feira ou sábado a noite.Mas uma coisa que a Antropologia me ensinou é que cada cultura tem a sua própria lógica. Devemos sempre respeitar a forma de viver dos que são diferentes e respeitar as ambições de cada um. Jovens rapazes com um futuro repleto de grandes marcas de roupa e sons de carro. Promissoras moças que um dia andarão nas garupas de filhos de vereadores e deputados, mantendo-se sempre belas para enfeitar as motos.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

O Big Brother, a arca de Noé e o carnaval

Estava eu um dia desses assistindo às notícias sobre a crise. Eis que de repente, quando eu ouvia as mais novas noticias sobre o fim do mundo, corta a imagem e... pum...apareceram três bundas à beira de uma piscina na frente da câmera: era o Big Brother Brasil! Toda vez que assisto a uma notícia já fico esperando ser interrompido por um flash do BBB, as notícias sobre o castelo de Edmar Moreira, os conflitos entre torcidas organizadas, a crise financeira, as demissões em massa e os desvios da merenda escolar serão suprimidos por uma invasão de bundas à beira de piscinas e homens em sungas molongando frases feitas sobre si mesmos.
E foi assistindo a esse programa que um pensamento me veio à cabeça: o BBB é uma espécie de Arca de Noé. Explico: O que era a Arca de Noé? Animais de várias espécies -sete pares de animais e aves- trancados dentro de uma grande embarcação de madeira durante os 40 dias do dilúvio, que era o castigo de Deus sobre os homens, todos conduzidos por Noé. Tudo isso relatado Bíblia (Gênesis 6:11 à Gênesis 9: 1). E o que é o BBB? Quase duas dezenas de pessoas supostamente diferentes -os animais- trancadas dentro de uma casa -a arca- durante três meses sendo observadas pelo público –Deus - e conduzidos por Pedro Bial, que faz o papel de Noé. O interessante é que, para além de uma analogia bíblica mal feita, o BBB pode ser considerado uma experiência antropológica de quinta categoria, ou seja, a idéia de juntar pessoas que supostamente representem a diversidade étnica e cultural do Brasil como se elas pudessem fornecer informações substanciais sobre a natureza do comportamento humano. Já teve de tudo naquele programa, de gays a machões, de intelectual a striper porteña, de emo a playboy (que às vezes podem ser sinônimos), de lutador de vale tudo a dona de casa, de nordestino até angolano. E sempre tem a cota para negros, um ou dois! A Globo é inclusão! Mas o engraçado é que nunca se fogem aos esquemas básicos: negros já começam eliminados, homossexuais tem chances muito reduzidas por serem acusados de usar a homossexualidade como arma de barganha e ganham os personagens que apelam para o carisma e optam por não jogar mesmo dentro de um jogo, ou seja, ganham os que não se posicionam.
O programa não é uma invenção da Globo. Ele é produto holandês, criado pela produtora Endemol. Na Holanda, o programa ao que parece só chegou a quinta temporada. Nos EUA e no Brasil é que se atingiu a marca de nove temporadas. Espalhou pelo mundo e até Filipinas, Tailândia e a Índia tem Big Brother. E porque não ,né? E mesmo que o Brasil seja visto como um país em que a libido vira marca registrada do povo, parece que o nosso programa é um dos mais leves. Nas edições européias a sacanagem come solta. E a palavra “come” é a mais adequada. Na edição Alemã teve até concorrente grávida. Enfim...
Mas, uma coisa não falta naquele programa: bunda. Essa palavra tão gostosa de pronunciar. Falem todos agora mentalmente: BUNDA. A bunda é um dos grandes anestésicos da sociedade brasileira. Mas o que intriga não é só as bundas. Nada contra bundas. Elas não são o problema aqui. O que incomoda é a grande casa, os futuros garotos propaganda e as próximas garotas da playboy desfilando em trajes de praia, bebendo, se divertindo, fazendo sexo a vontade durante três longos meses, enquanto nós nos contentamos em olhar aqui de fora e nos lambuzarmos com o luxo e a felicidade alheia. Por que (junto ou separado)? Tenho uma hipótese. No filme Cronicamente Inviável, de Sérgio Bianchi, há uma frase do personagem Alfredo que sintetiza bem o que quero dizer. Ao observar o carnaval, ele diz que nós vivemos uma “ditadura da felicidade”, ou seja, estamos sempre no imperativo de sermos felizes a qualquer custo e sob quaisquer condições (Quem quiser conferir o trecho do filme vá em http://www.youtube.com/watch?v=kHqXorrG12E. Bom, claro que as afirmações do personagem nesse trecho do filme não são da maior genialidade e até certo ponto são muito reducionistas e é óbvio que existe quem discorde dele. O carnavalesco Joãozinho 30 já afirmou, quando interrogado sobre a opulência dos seus carros alegóricos, que “o povo gosta de luxo; quem gosta de miséria é intelectual”. Golpe baixo, né? Você ai que passa horas e horas lendo sobre a desigualdade, sobre teorias e movimentos sociais, sobre os processos de exclusão, injustiça e violência, na verdade, você é um grande adorador da miséria alheia. Tudo isso porque você não compartilha da sensação inebriante de se deleitar com a felicidade dos BBBs e prefere ver o jornal. Uma frase alegórica para essa época de carnaval e para ilustrar o próprio fascínio que o luxo o programa exerce sobre as pessoas Mas, nós vivemos no imperativo da felicidade! Isso é uma certeza! É quase um vício. Para mim, além de uma alegoria com a Arca de Noé, o BBB assim como o Carnaval é manifestação extrema dessa “ditadura da felicidade”. Porque não nós alienamos nem com a nossa própria felicidade e sim com a dos outros. Vendo pessoas bonitas, em lugares confortáveis, isolados dos problemas externos e onde os conflitos se resumem a fazer uma gincana de escola em que o prêmio não tem nada de infantil: um milhão de reais! Ou já subiu? Assim, se você não tem dinheiro, divirta-se com a riqueza alheia. Se você não é forte, atraente e não exerce fascínio sobre o sexo oposto, assista a jovens bonitos comendo uns aos outros. Tá infeliz? A felicidade dos BBBs vai ajudar. Não pode ir a grandes baladas? Os BBBs se divertem por você. É difícil ganhar um milhão trabalhando dia-a-dia? Ver os outros ganhando dinheiro fácil vai ajudar você a se distrair um pouco.
Outro aspecto do BBB é a própria sigla: Big Brother Brasil. Em 1949, Eric Arthur Blair, que escrevia sob o pseudônimo George Orwell, lança o livro 1984. O que há de interessante nisso, cara pálida? Mil Novecentos e Oitenta e Quatro é uma metáfora sobre os regimes totalitários, mais precisamente uma critica ao regime de Stálin. Sim, e daí? No livro, o Estado onipresente na figura do Grande irmão (Big Brother) controlava o pensamento dos cidadãos. Um dos dispositivos de controle era a Teletela, aparelho através do qual o Estado vigiava cada pessoa. A Teletela era como um televisor que permitia ver e ser visto. Quando nenhum programa estava sendo exibido, era a figura do “Grande Irmão” que tomava conta da tela. Diariamente, os cidadãos deveriam parar o trabalho por dois minutos e se dedicar a adorar a figura do Grande Irmão, que era a materialização do Estado em cada casa. Alguma semelhança com o BBB? Em tese, apenas o fato de que Pedro Bial representa o papel do Grande Irmão. O problema é que a Globo usou o termo de forma tão distorcida que conseguiu esvaziar o conteúdo político contido na obra de Orwell expresso na idéia do Grande Irmão e o transformou em sinônimo de um vouyerismo barato. Algo inócuo e que não remete ao seu verdadeiro sentido. Pior ainda, fica parecendo que foi a Globo que inventou o termo Big Brother. Esse texto é realização de uma vontade. Confesso que foi confuso e que pulei de Big Brother pra Arca de Noé, Carnaval, George Orwell, cinema e etc de forma meio tosca. Sempre quis escrever um texto sobre o BBB, mas sempre achei que era coisa de gente chata falar mal sobre algo que todo mundo gosta. Mas é melhor ser chato do que ser vazio. E sei que junto comigo está uma legião de outros chatos, intelectualóides adoradores da miséria alheia, de supostos frustrados por não serem sarados e milionários como os BBBs, de gente que é considerada infeliz porque não vai na onda, de gente que procura a felicidade fora da Teletela.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

E agora, professor?

Ontem completei uma semana de experiência como professor. Professor de História. Fui chamado pra lecionar em uma escola particular aqui perto de minha casa. Aquelas escolas de conjunto que todo mundo conhece ou já estudou antes de ir pra selva do ensino na capital. Descobri que dar aula é um troço que cansa muito. No fim do dia me sinto como se tivesse apanhado. E pra ficar mais interessante, debutei naquelas séries que todo mundo diz que são as piores: 5ª a 8ª. Bom, claro que tem as recompensas, que obviamente, não são ligadas ao salário que recebo. É engraçado como os alunos te cumprimentam sempre e até certo ponto te respeitam. Desde excesso de energia da quinta série até a letargia da oitava. Outra coisa engraçada é a idéia de hierarquia que você tem que aprender a exercitar com eles. É engraçado estar em uma posição contrária a que sempre estive Agora tenho mais uma fonte pra nutrir esse blog e acabar com pasmaceira. Minha vida e minhas opiniões sobre as coisas não dão caldo pra segurar um blog. E já tenho algo muito inusitado pra contar. Foi na aula de terça feira na quinta série da tarde. Estava eu, dando uma aula sobre introdução a História: o que é, sua utilidade, quem faz a história, como se faz, por que se faz ,discutindo conceito de Identidade e por ai vai. Passei uma atividade na aula anterior que era: “escreva em 10 linhas a História de sua vida”. Qual era a minha intenção? Mostrar que eles também têm uma história de vida, que possuem uma identidade, que são sujeitos históricos e que seus escritos podem um dia ser fonte para um historiador e por ai vai. Pedi pra que dois deles lessem o que escreveram e comparei a história de cada um. Tudo lindo e maravilhoso e eu pensando: “cara, levo jeito pra isso!” O próximo passo do meu êxtase pedagógico foi o de pedir para que eles trocassem s cadernos e lessem a história de vida do colega e como ele se definia, para que eles se conhecessem melhor. Lindo, né?Mas eu esbarrei no fator: “isso aqui não é um filme”. Um dos garotos insistia veementemente em não trocar o caderno. Insisti pra que ele o fizesse e comecei a desconfiar que ele não tivesse feito a tarefa. Pensei: “Danado! Mal comecei e já quer me tapear” Pedi o caderno dele pra se ver se tinha feito a tarefa. Ele ainda relutou mas me deu o caderno. Peguei. Abri. Bati os olhos no texto e li: meus pais são separados. “Meu pai vive com outra mulher. Minha mãe disse que isso é safadeza. Nós não gostamos disso...”
Fiquei sem ação. Parei, pensei e fiz aquela cara de neutralidade e postura pedagógica, que também pode ser conhecida por alguns como “cara de bunda”. Fechei o caderno do garoto e deixei que ele não tomasse parte na atividade. Isso mostra que a gente deve refletir muito a natureza de uma atividade desse tipo e as conseqüências para pessoas nessa idade de formação e blá blá blá ....Mas, o mais importante é comprovar que a escola não é descolada da realidade. Isso parece obvio a principio, mas só é verificável na prática. Desmancha aquela visão sobre uma infância livre de problemas. E inclusive me leva a pensar que a nossa geração inventou uma infância alçada no saudosismo dos anos 80 e nas cenas felizes cercadas por Raul Seixas no Balão Mágico com aquela cara de bêbado. O que isso mais tem feito é fazer dinheiro para produtores de festas temáticas, alimentar a carreira de bandas ruins e artistas decadentes que se escoram no mau gosto e em nossa necessidade de inventar o passado. Sinceramente, a infância é um dos lugares mais férteis para os traumas. Ser criança não é algo tão fácil quanto parece. Eu fui gordinho, tímido e grande demais pra minha idade e sei como a escola pode ser um lugar cruel. E as crianças são perversas a sua maneira. Elas aprendem e reproduzem nossos piores preconceitos. Imagino o medo desse garoto em saber que sua história de vida podia cair na boca dos colegas. Na quinta série da manhã nem inventei de fazê-los trocar os cadernos. Até porque quando peguei o caderno de um deles já li: “Minha vida é uma confusão... Brigas todos os dias...” Parei ai mesmo, já tinha aprendido a lição.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Que beijinho doce

Ando realmente sem tempo pra postar.
Então, curtam ai a letra da música mais tocada nas últimas semanas!

Beijinho Doce
Tonico e Tinoco

Composição: Nhô Pai

Que beijinho doce
Que ela tem
Depois que beijei ela
Nunca mais amei ninguém

Que beijinho doce
Foi ela quem trouxe
De longe prá mim
Se me abraça apertado
Suspira dobrado
Que amor sem fim.

Coração quem manda
Quando a gente ama
Se eu estou junto dela
Sem dar um beijinho
Coração reclama.

Que beijinho doce
Foi ela quem trouxe
De longe prá mim
Se me abraça apertado
Suspiro dobrado
Que amor sem fim.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Um ano novo da pesada (agora em dvd)

Acredito que escrever é uma boa forma de extravasar um dos meus contatos mais íntimos com a violência urbana em toda a minha vida. Então decidi contar aqui o incidente de fim de ano em que levei nas costas três cortes de canivete, faca ou sei lá que diabo era aquilo que furou meu blusão e minha camisa. Queria muito que os assaltantes tivessem a oportunidade de ler esse texto, por que ai eles poderiam desmentir qualquer exagero de minha parte. Por que mesmo sendo ladrões não significam que eles sejam mentirosos. Esse país um dia será tão justo que até os assaltantes terão blogs e poderão contar as suas peripécias criminais. Não dependerão da minha visão parcial dos acontecimentos.
Era mais de 2hs da manhã. A nossa barraca estava atrás do palco passando o cercado dos fogos. Aquela posição sempre nos proporcionou uma boa visão da “queima do dinheiro publico” no céu. Algum tempo depois da queima de fogos fomos, eu e minha namorada, em linha reta até água, conversar besteira, molhar os pés no mar etc. De repente, dois caras nos fecham. Como eu estava sem óculos e já tinha bebido, achei que se tratava de alguém da própria barraca. Enganei-me. O gentil rapaz me deu um empurrão e disse: “Celular, celular!” Como não me chamo Celular desconfiei que era o aparelho! Antes que eu pensasse em dar o presente de ano novo do rapaz, ele tentou me dar um soco do qual ainda consegui desviar. Enquanto isso, o outro rapaz que estava pedindo celular a Ieda veio por trás de mim. Não queria me abraçar pelo ano que acabara de entrar. A única coisa que fiz foi pegar a caneca de plástico que eu estava na mão e lascar no cara da frente e sair do raio de alcance do outro. O engraçado é que na hora que atirei a caneca disse: “Num tem celular não!” Achou idiotice? Arriscado? Não parou por ai! Como se não fosse suficiente o susto, quando os caras se afastaram de mim sabendo que não iam levar o celular eu tirei o aparelho do bolso e comecei a sacudir e acender a luz dele e gritar: “Não vão querer o celular não? Seus filhos da puta!” O outro grito foi de Ieda no pé do meu escutador de novela (ouvido) gritando: “Pare! Você é doido?!”
Voltei para a barraca furioso. Nem sabia como dizer o que havia acontecido. Pensei em gritar como um doido: “Fui quase assaltado!”. Mas achei muito barraco! Ai um dos colegas veio falar comigo e ai contei a história e ai foi espalhando. Sentei na areia puto de raiva esperando avistar de longe os dois caras que queriam o aparelho. Aparelho que comprei dividido em 6x no cartão e que na mão deles iria virar alguns dias fumando maconha ou uma pedra de crack. Imagino que eles não estavam assaltando pra comprar remédio para a mãe doente ou colocar comida em casa. Depois de sentado na areia é que Ieda percebeu que meu blusão estava com três furos e com a manga rasgada. Puxei a camisa e ai viram os cortes. Eram três. Um maior, um menor e outro de tamanho intermediário entre os dois. Tenho algumas teorias: 1. Ele me cortou porque é um pobre rapaz faminto e queria carne pra comer. 2. Ele pensou que eu é quem estava roubando o amigo dele e achou isso um absurdo!Eu acharia também se fosse um ladrão! 3. Ele quis assinar o nome dele nas minhas costas pra que eu nunca o esquecesse. Nem precisava...
Enfim... fomos com mais dois colegas procurar a policia, naquela paranóia de estarmos sendo seguidos e tal. Falamos com os policiais a cavalo. O que me disseram? Burocracia pura! “Vamos fazer uma ronda”. Ai os caras foram na direção contrária que eu apontei. Eu não entendi a estratégia, mas se fazem concurso pra policia é porque eles devem ser inteligentes o suficiente pra saber o que fazem... ou não (conforme Caetano diria). Fui atrás de atendimento médico. Cheguei no Samu e vi um monte de gente que resolveu passar a virada recebendo glicose. Contei o meu caso. Mostrei os ferimentos à moça de macacão azul. Ela, prosaica da maneira que só a profissão ensina, disse: “É superficial, vá pra casa e lave com água e sabão”. Que? Como? Quem conseguiria um táxi naquela hora? Nem um soro antitetânico me deram no corte. Mas tudo bem...o segredo está na sigla SAMU: Serviço de Atendimento Médico de URGÊNCIA. Acho que eu precisava entrar com a faca do assaltante cravada nas costas pra ser notado. Pelo menos com isso eu ganharia uma carona de ambulância até o hospital mais próximo. Estaria menos distante de casa.
Enfim...voltei pra barraca com aquela sensação de derrota total. Decidi que não vou a orla passar fim de ano tão cedo. É difícil chegar. É difícil sair. E entre esses dois problemas você ainda pode ser roubado. E levando em conta que, segundo um colega, tenho “sangue ruim” pra ano novo. É melhor não arriscar uma comprovação mais empírica que essa. Cientificamente falando, os resultados de uma amostra de três anos comprovam suficientemente a hipótese. Até pelos fogos da prefeitura eu já fui atingido. Decidi que é melhor passar entre quatro paredes o ano novo. Bebendo na casa de alguém ou até em casa mesmo. É até melhor, porque se ficar bêbado já estou perto da cama. Como minha namorada mesmo disse, essa foi uma experiência pra mostrar que a gente fica dando bobeira achando que isso só acontece com os outros, mas que na verdade ninguém está livre de nada disso. Agora que terminei esse texto, me sinto um pouco mais aliviado. Faz dias que não consigo parar de pensar nisso. Acho que é falta de experiência. O que importa é que consegui escrever, mesmo achando que...NINGUÉM VAI LER ESSA MERDA!