segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

O Big Brother, a arca de Noé e o carnaval

Estava eu um dia desses assistindo às notícias sobre a crise. Eis que de repente, quando eu ouvia as mais novas noticias sobre o fim do mundo, corta a imagem e... pum...apareceram três bundas à beira de uma piscina na frente da câmera: era o Big Brother Brasil! Toda vez que assisto a uma notícia já fico esperando ser interrompido por um flash do BBB, as notícias sobre o castelo de Edmar Moreira, os conflitos entre torcidas organizadas, a crise financeira, as demissões em massa e os desvios da merenda escolar serão suprimidos por uma invasão de bundas à beira de piscinas e homens em sungas molongando frases feitas sobre si mesmos.
E foi assistindo a esse programa que um pensamento me veio à cabeça: o BBB é uma espécie de Arca de Noé. Explico: O que era a Arca de Noé? Animais de várias espécies -sete pares de animais e aves- trancados dentro de uma grande embarcação de madeira durante os 40 dias do dilúvio, que era o castigo de Deus sobre os homens, todos conduzidos por Noé. Tudo isso relatado Bíblia (Gênesis 6:11 à Gênesis 9: 1). E o que é o BBB? Quase duas dezenas de pessoas supostamente diferentes -os animais- trancadas dentro de uma casa -a arca- durante três meses sendo observadas pelo público –Deus - e conduzidos por Pedro Bial, que faz o papel de Noé. O interessante é que, para além de uma analogia bíblica mal feita, o BBB pode ser considerado uma experiência antropológica de quinta categoria, ou seja, a idéia de juntar pessoas que supostamente representem a diversidade étnica e cultural do Brasil como se elas pudessem fornecer informações substanciais sobre a natureza do comportamento humano. Já teve de tudo naquele programa, de gays a machões, de intelectual a striper porteña, de emo a playboy (que às vezes podem ser sinônimos), de lutador de vale tudo a dona de casa, de nordestino até angolano. E sempre tem a cota para negros, um ou dois! A Globo é inclusão! Mas o engraçado é que nunca se fogem aos esquemas básicos: negros já começam eliminados, homossexuais tem chances muito reduzidas por serem acusados de usar a homossexualidade como arma de barganha e ganham os personagens que apelam para o carisma e optam por não jogar mesmo dentro de um jogo, ou seja, ganham os que não se posicionam.
O programa não é uma invenção da Globo. Ele é produto holandês, criado pela produtora Endemol. Na Holanda, o programa ao que parece só chegou a quinta temporada. Nos EUA e no Brasil é que se atingiu a marca de nove temporadas. Espalhou pelo mundo e até Filipinas, Tailândia e a Índia tem Big Brother. E porque não ,né? E mesmo que o Brasil seja visto como um país em que a libido vira marca registrada do povo, parece que o nosso programa é um dos mais leves. Nas edições européias a sacanagem come solta. E a palavra “come” é a mais adequada. Na edição Alemã teve até concorrente grávida. Enfim...
Mas, uma coisa não falta naquele programa: bunda. Essa palavra tão gostosa de pronunciar. Falem todos agora mentalmente: BUNDA. A bunda é um dos grandes anestésicos da sociedade brasileira. Mas o que intriga não é só as bundas. Nada contra bundas. Elas não são o problema aqui. O que incomoda é a grande casa, os futuros garotos propaganda e as próximas garotas da playboy desfilando em trajes de praia, bebendo, se divertindo, fazendo sexo a vontade durante três longos meses, enquanto nós nos contentamos em olhar aqui de fora e nos lambuzarmos com o luxo e a felicidade alheia. Por que (junto ou separado)? Tenho uma hipótese. No filme Cronicamente Inviável, de Sérgio Bianchi, há uma frase do personagem Alfredo que sintetiza bem o que quero dizer. Ao observar o carnaval, ele diz que nós vivemos uma “ditadura da felicidade”, ou seja, estamos sempre no imperativo de sermos felizes a qualquer custo e sob quaisquer condições (Quem quiser conferir o trecho do filme vá em http://www.youtube.com/watch?v=kHqXorrG12E. Bom, claro que as afirmações do personagem nesse trecho do filme não são da maior genialidade e até certo ponto são muito reducionistas e é óbvio que existe quem discorde dele. O carnavalesco Joãozinho 30 já afirmou, quando interrogado sobre a opulência dos seus carros alegóricos, que “o povo gosta de luxo; quem gosta de miséria é intelectual”. Golpe baixo, né? Você ai que passa horas e horas lendo sobre a desigualdade, sobre teorias e movimentos sociais, sobre os processos de exclusão, injustiça e violência, na verdade, você é um grande adorador da miséria alheia. Tudo isso porque você não compartilha da sensação inebriante de se deleitar com a felicidade dos BBBs e prefere ver o jornal. Uma frase alegórica para essa época de carnaval e para ilustrar o próprio fascínio que o luxo o programa exerce sobre as pessoas Mas, nós vivemos no imperativo da felicidade! Isso é uma certeza! É quase um vício. Para mim, além de uma alegoria com a Arca de Noé, o BBB assim como o Carnaval é manifestação extrema dessa “ditadura da felicidade”. Porque não nós alienamos nem com a nossa própria felicidade e sim com a dos outros. Vendo pessoas bonitas, em lugares confortáveis, isolados dos problemas externos e onde os conflitos se resumem a fazer uma gincana de escola em que o prêmio não tem nada de infantil: um milhão de reais! Ou já subiu? Assim, se você não tem dinheiro, divirta-se com a riqueza alheia. Se você não é forte, atraente e não exerce fascínio sobre o sexo oposto, assista a jovens bonitos comendo uns aos outros. Tá infeliz? A felicidade dos BBBs vai ajudar. Não pode ir a grandes baladas? Os BBBs se divertem por você. É difícil ganhar um milhão trabalhando dia-a-dia? Ver os outros ganhando dinheiro fácil vai ajudar você a se distrair um pouco.
Outro aspecto do BBB é a própria sigla: Big Brother Brasil. Em 1949, Eric Arthur Blair, que escrevia sob o pseudônimo George Orwell, lança o livro 1984. O que há de interessante nisso, cara pálida? Mil Novecentos e Oitenta e Quatro é uma metáfora sobre os regimes totalitários, mais precisamente uma critica ao regime de Stálin. Sim, e daí? No livro, o Estado onipresente na figura do Grande irmão (Big Brother) controlava o pensamento dos cidadãos. Um dos dispositivos de controle era a Teletela, aparelho através do qual o Estado vigiava cada pessoa. A Teletela era como um televisor que permitia ver e ser visto. Quando nenhum programa estava sendo exibido, era a figura do “Grande Irmão” que tomava conta da tela. Diariamente, os cidadãos deveriam parar o trabalho por dois minutos e se dedicar a adorar a figura do Grande Irmão, que era a materialização do Estado em cada casa. Alguma semelhança com o BBB? Em tese, apenas o fato de que Pedro Bial representa o papel do Grande Irmão. O problema é que a Globo usou o termo de forma tão distorcida que conseguiu esvaziar o conteúdo político contido na obra de Orwell expresso na idéia do Grande Irmão e o transformou em sinônimo de um vouyerismo barato. Algo inócuo e que não remete ao seu verdadeiro sentido. Pior ainda, fica parecendo que foi a Globo que inventou o termo Big Brother. Esse texto é realização de uma vontade. Confesso que foi confuso e que pulei de Big Brother pra Arca de Noé, Carnaval, George Orwell, cinema e etc de forma meio tosca. Sempre quis escrever um texto sobre o BBB, mas sempre achei que era coisa de gente chata falar mal sobre algo que todo mundo gosta. Mas é melhor ser chato do que ser vazio. E sei que junto comigo está uma legião de outros chatos, intelectualóides adoradores da miséria alheia, de supostos frustrados por não serem sarados e milionários como os BBBs, de gente que é considerada infeliz porque não vai na onda, de gente que procura a felicidade fora da Teletela.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

E agora, professor?

Ontem completei uma semana de experiência como professor. Professor de História. Fui chamado pra lecionar em uma escola particular aqui perto de minha casa. Aquelas escolas de conjunto que todo mundo conhece ou já estudou antes de ir pra selva do ensino na capital. Descobri que dar aula é um troço que cansa muito. No fim do dia me sinto como se tivesse apanhado. E pra ficar mais interessante, debutei naquelas séries que todo mundo diz que são as piores: 5ª a 8ª. Bom, claro que tem as recompensas, que obviamente, não são ligadas ao salário que recebo. É engraçado como os alunos te cumprimentam sempre e até certo ponto te respeitam. Desde excesso de energia da quinta série até a letargia da oitava. Outra coisa engraçada é a idéia de hierarquia que você tem que aprender a exercitar com eles. É engraçado estar em uma posição contrária a que sempre estive Agora tenho mais uma fonte pra nutrir esse blog e acabar com pasmaceira. Minha vida e minhas opiniões sobre as coisas não dão caldo pra segurar um blog. E já tenho algo muito inusitado pra contar. Foi na aula de terça feira na quinta série da tarde. Estava eu, dando uma aula sobre introdução a História: o que é, sua utilidade, quem faz a história, como se faz, por que se faz ,discutindo conceito de Identidade e por ai vai. Passei uma atividade na aula anterior que era: “escreva em 10 linhas a História de sua vida”. Qual era a minha intenção? Mostrar que eles também têm uma história de vida, que possuem uma identidade, que são sujeitos históricos e que seus escritos podem um dia ser fonte para um historiador e por ai vai. Pedi pra que dois deles lessem o que escreveram e comparei a história de cada um. Tudo lindo e maravilhoso e eu pensando: “cara, levo jeito pra isso!” O próximo passo do meu êxtase pedagógico foi o de pedir para que eles trocassem s cadernos e lessem a história de vida do colega e como ele se definia, para que eles se conhecessem melhor. Lindo, né?Mas eu esbarrei no fator: “isso aqui não é um filme”. Um dos garotos insistia veementemente em não trocar o caderno. Insisti pra que ele o fizesse e comecei a desconfiar que ele não tivesse feito a tarefa. Pensei: “Danado! Mal comecei e já quer me tapear” Pedi o caderno dele pra se ver se tinha feito a tarefa. Ele ainda relutou mas me deu o caderno. Peguei. Abri. Bati os olhos no texto e li: meus pais são separados. “Meu pai vive com outra mulher. Minha mãe disse que isso é safadeza. Nós não gostamos disso...”
Fiquei sem ação. Parei, pensei e fiz aquela cara de neutralidade e postura pedagógica, que também pode ser conhecida por alguns como “cara de bunda”. Fechei o caderno do garoto e deixei que ele não tomasse parte na atividade. Isso mostra que a gente deve refletir muito a natureza de uma atividade desse tipo e as conseqüências para pessoas nessa idade de formação e blá blá blá ....Mas, o mais importante é comprovar que a escola não é descolada da realidade. Isso parece obvio a principio, mas só é verificável na prática. Desmancha aquela visão sobre uma infância livre de problemas. E inclusive me leva a pensar que a nossa geração inventou uma infância alçada no saudosismo dos anos 80 e nas cenas felizes cercadas por Raul Seixas no Balão Mágico com aquela cara de bêbado. O que isso mais tem feito é fazer dinheiro para produtores de festas temáticas, alimentar a carreira de bandas ruins e artistas decadentes que se escoram no mau gosto e em nossa necessidade de inventar o passado. Sinceramente, a infância é um dos lugares mais férteis para os traumas. Ser criança não é algo tão fácil quanto parece. Eu fui gordinho, tímido e grande demais pra minha idade e sei como a escola pode ser um lugar cruel. E as crianças são perversas a sua maneira. Elas aprendem e reproduzem nossos piores preconceitos. Imagino o medo desse garoto em saber que sua história de vida podia cair na boca dos colegas. Na quinta série da manhã nem inventei de fazê-los trocar os cadernos. Até porque quando peguei o caderno de um deles já li: “Minha vida é uma confusão... Brigas todos os dias...” Parei ai mesmo, já tinha aprendido a lição.