quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Feliz Natal...

...e que o mesmo de 2010 seja melhor que o mesmo de 2009.


Elegia 1938 - Carlos Drummond de Andrade

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.

Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século, a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Orkut: a especularização do cotidiano


Gostaria de começar esse texto com uma experiência:

Eu acordo, levanto da cama, pergunto o que tem pra comer, escovo os dentes e vou tomar café. Sento no sofá e penso no que tenho de fazer durante o dia. Penso no que está certo, no que está errado, ligo a TV, me chateio por ter ligado e não achar um desenho que preste, vou para o computador ver os emails, leio, se precisar sair, saio, volto, faço o que tenho de fazer, vejo ou ligo minha namorada, digo coisas bonitas, discuto as vezes, faço ligações, vou ao banheiro, ouço música, almoço, descanso, saio, fico em casa, vejo o jornal da noite, vou rever os emails...e por ai vai.

Terrível, né? Contando assim parece muito chato, um verdadeiro exemplo do que há mais corriqueiro na vida. E logo nós, jovens, que estamos sempre falando em viver cada instante como se fosse o último. Logo nós, adultos, que muitas vezes vivemos uma adolescência prolongada. Esse exemplo é apenas uma descrição sumária de um dia da semana na minha vida. Mas, e seu eu narrasse isso aqui durante uma semana, um mês, um ano, cinco anos, e junto a mim várias pessoas diferentes também contassem o que fazem da hora que acordam ao último “pum” que soltam antes de dormir? Contando o que gostam e o que odeiam para outras pessoas que estão o tempo todo também fazendo o mesmo, falando sobre si mesmas. Pois, isso é o Orkut, e lá isso é o que há de mais essencial: contar o cotidiano, o ordinário.

A idéia desse texto surgiu da indignação de uma amiga quem me disse: “estou pensando em matar o meu Orkut”. Perguntei o motivo e ela falou: “cansei de ver esse povo velho se mostrando, fazendo caras e bicos aqui”. O engraçado é que na hora que ela disse isso respondi: “não faça isso, Orkut é assim mesmo”. Depois pensei: “qual a diferença dela matar o orkut dela ou não?” A amizade continua a mesma”. Ai percebi o quanto essa coisa de vida virtual ganha cores de uma quase segunda vida. Dizer que vai matar um perfil não deveria ser algo tão problemático que a gente precisasse pensar tanto para fazer. Porque, fora algumas exceções, qual a verdadeira serventia do Orkut? Encontrar pessoas com quem perdi contato? Bom, das pessoas que adicionei no Orkut (e vice-versa) por tê-las reencontrado virtualmente, mantenho, com a maioria delas, a mesma relação que mantinha antes, só que agora virtual, ou seja, continuam sendo pessoas com quem perdi o contato e ainda pior, a distância antes era presencial, hoje é também virtual. E ainda acabo vendo o que elas andam fazendo todo o dia. Não parece um contra senso? Perde-se o contato com alguém, mas se sabe tudo sobre a vida dela. E a tendência é esse tipo de socialidade se acentuar cada vez mais, visto que, agora o Orkut até sugere amigos...certa vez um garoto me adicionou e eu perguntei de onde ele me conhecia. O cara responde: vi você na sugestão de amigos.

O Orkut parece amplificar de uma maneira muito estranha as relações com as pessoas e com as pequenas coisas da vida. As Novas tecnologias de comunicação como MSN, Orkut, fotolog, blog, twitter são formas de promover uma estandartização, uma espetacularização do cotidiano, do banal. Daquilo que, na frente de uma pessoa seria totalmente descabido comentar com tanta ênfase. Tem gente que não vai na esquina sem mudar o status do MSN com alguma frase, tipo: fui ali na casa de fulaninha fazer “num sei o quê” e volto em meia hora. Que vai comprar pão e coloca mais 20 fotos novas no Orkut. Vai “descer um barro” e posta no twitter. Cada momento parece ser algo pra se guardar, mesmo que seja totalmente comum, trivial. Gosto das coisas simples da vida, mas não vamos exagerar. Parece haver uma imagem a se guardar o tempo todo, em cada foto, uma maneira de se proteger do anonimato através da tentativa se ver constantemente reproduzido em vários lugares. Um perfil do Orkut muitas vezes me lembra aqueles quadros de Andy Warhol em que uma imagem é repetida diversas vezes em cores diferentes.


Uma tentativa de mitificar a própria imagem. Um mundo onde todas as janelas levam a você, quando na verdade, vários outros vive essa mesma sensação de que são únicos. Tudo é apavorantemente colorido, enfeitado e com mil e uma possibilidades de exercício narcísico. É o seu dia e sua vida contada com imagens, vídeos, som e se tivesse cheiro, não duvido que algumas pessoas colocassem a sua própria comida no orkut.Os sentimentos estão sempre a flor da pele, todo mundo ama, abraça, sorri, beija, adora o tempo todo e todos tem algo interessante pra dizer, um álbum cheio de preferências, de livros, de bandas, de coisas que fazem parte de sua vida, mas que precisam ser divididas, pois todos precisam saber quem você é. Claro que eu sou uma pessoa suspeita para falar, como sempre sou me qualquer texto, pois sou desconfiado com efusividade, com demonstrações de afeto exageradas ou com defesas extremas das preferências. Sou um chato, em resumo.


Mas é claro que o Orkut tem a sua utilidade. Conhecer eventos, ver as fotos de um show, baixar livros, músicas etc. O problema é que tudo isso vem flutuando em meio em um mar de entulho cotidiano, em meio a vários jogos do "beija ou morde?", do "você pegaria a pessoa acima?" ou de "pega ou passa fora?". Obviamente que é um lugar de informação. Se é pra usar o termo "navegar", diríamos que, navegar no orkut é fazer um passeio pelo rio tiête da vaidade, mas onde ainda é possível encontra coisas que valem a pena ser lidas, vistas e comentadas.


Mas não se preocupem, sou tão parte disso quanto qualquer um de vocês. Faço parte desse pacto silencioso de vigilância (ou monitoramento para os mais eufêmicos) da vida alheia.Do vouyerismo de cada dia. É justamente por ser exagerado e parcial que esse texto pode ser lido, divulgado ou execrado. E isso é algo que pode incomodar as pessoas que conseguem ver muita utilidade no orkut. Mas acho que não são muitas e é por isso que sinto, no fim das contas, a sensação de que NINGUÉM VAI LER ESSA MERDA.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

COBERTURA ESPORTIVA Festa, violência e impunidade

Repassando do Observatório de Imprensa: www.observatoriodaimprensa.com.br

Por Luciano Martins Costa em 8/12/2009
Comentário para o programa radiofônico do OI, 8/12/2009


Depois da segunda-feira (7/12) em que as imagens da violência mancharam as comemorações no final do campeonato nacional de futebol, a imprensa faz uma abordagem rápida e superficial dos acontecimentos, e segue a vida.

Na televisão, as emissoras da Rede Globo deram destaque muito maior à invasão do campo no estádio Couto Pereira, em Curitiba, do que às cenas dos conflitos entre torcedores de facções rivais do Flamengo, que se engalfinharam nas ruas próximas ao estádio do Maracanã após a vitória contra o Grêmio de Porto Alegre.

A Rede Bandeirantes dedicou muito tempo e comentários aos dois acontecimentos, e seus comentaristas cobraram medidas das autoridades, lembrando que o Brasil precisa adotar medidas para prevenir a violência associada a jogos de futebol. Afinal, vamos sediar uma Copa do Mundo em 2014.

Nenhuma cobrança

Tudo indicava que os jornais retomariam as antigas campanhas pelo controle das torcidas organizadas. Mas nada aconteceu. Merece registro apenas a iniciativa do Globo, que na primeira página em sua edição de terça-feira (8/12), afirma que o Brasil foi "reprovado no teste da Copa".

O texto constata que houve má gestão na partida final do campeonato, desde a desorganizada venda de ingressos até a confusa entrada dos torcedores no Maracanã, além das cenas de selvageria no estádio do Coritiba.

No rescaldo das cenas vergonhosas, registra-se apenas a interdição do estádio Couto Pereira e algumas ações da polícia, como a detenção de dois vândalos por desacato e o indiciamento de um motorista que causou a morte de um jovem ao fugir de uma confusão de torcedores.

Nenhum anúncio de medidas mais eficientes contra as hordas que invadem as ruas em dias de jogos de futebol, nenhuma cobrança mais efetiva das autoridades por parte da imprensa.

Problema escondido

Faz pouco mais de seis meses que o jovem corinthiano Clayton Ferreira de Souza foi espancado até a morte por torcedores do Vasco da Gama, numa das semifinais da Copa do Brasil deste ano.

Na ocasião, os jornais publicaram apenas as versões da polícia, que liberou os suspeitos, e ignorou as evidências de que havia ocorrido uma emboscada e que a própria Polícia Militar havia criado as condições para o conflito.

Não há notícias de mais investigações, e os assassinos podem contar com a impunidade.

Os clubes entram em férias, e mais uma vez o problema da violência nos estádios vai para baixo dos tapetes das redações.