domingo, 21 de junho de 2009

Tempos modernos - espaços vazios (Diogo Monteiro).

Uma pequena apresentação: Gosto muito de frases de efeito. Tem um provérbio árabe que retirei da leitura de um livro do historiador Marc Bloch que diz assim: "Os homens se parecem mais com sua época do que com seus pais" .Diogo é amigo do início da graduação em História. Freqüentou sempre o mesmo espaço acadêmico que eu. Sujeitinho de escrita fácil e elegante, um cara simples e reservado. O texto que deixo aqui para vocês é produto, na minha opinião, de um saudosista. Ele é um cara que apesar de ser novo, possui cabelos brancos (sem brincadeira).Seu apelido na UFs era "Vovô Diogo". Isso só torna esse texto mais interessante. Em tempos de celebração da internet como convergência do mundo em um sistema reticular de comunicação que supostamente abarca (ou abafa ) todas as diferenças, esse texto pode mostrar que as frases de efeito, carregadas de sabedoria milenar, nem sempre são tão sabias assim. Cada coisa em seu tempo.
Espero que gostem:.



A contemporaneidade, marcada pela égide da globalização, tecnologias, informatização, Internet, reduzindo espaços, destruindo fronteiras. Será que nós, que vivenciamos toda essa euforia globalizante, das parafernálias digitais, realmente, sentimo-nos completos, preenchidos, alvos de todas as atenções do mundo?

As tecnologias digitais, do mundo da “net”, como alguns de meus alunos denominaram, com os “msns” e “orkuts” da vida podem até serem meios interessantes para quem pretende fazer novas amizades, e até mesmo iniciar um relacionamento amoroso. Apesar da parca experiência que tenho como usuário destes recursos tecnológicos, já pude perceber que eles são espaços geralmente “freqüentados” por indivíduos carentes, que vez por outra reclamam da própria existência, e que, no mais das vezes, estão mendigando um pouco da atenção das pessoas que estão do outro lado da rede.

Contatos vazios, sem rostos, sem cheiro, sem tato, apenas palavras, e palavras digitadas, impessoalidade extremada. Será que a pessoa com quem converso no “bate-papo” é realmente quem ela diz ser? Difícil saber. Mas estamos sempre lá, “teclando”, implorando a uma pessoa desconhecida, da qual nem sequer podemos ter garantias de poder conhecê-la pessoalmente, um pouco da sua caridosa atenção. O primeiro “oi” sempre gera expectativas, “será que vão corresponder ao meu chamado?”.

Já se foi o tempo em que os amigos encontravam-se casualmente na praça ou numa esquina qualquer do bairro onde residiam e devotavam horas e horas do seu dia a jogar papo fora, futebol, antigos e novos namoricos, confidências e até mesmo brincadeiras sem graça ou fora de sentido, onde tudo era motivo para risadas e fonte de assuntos para o repertório de conversas do dia posterior.

O leitor pode até me considerar um homem atrasado, antiquado, um “velhinho” quadrado e nostálgico, mas estou certo de que nada substitui o prazer de um bate-papo demorado, o contato direto, a convencional conversa tê-te-a-tê-te, seja ela com um amigo de infância ou com uma pessoa que se tenha conhecido recentemente. Penso que somente deste modo, podemos falar em novas experiências de vida, que permanecem durante muito tempo na nossa memória.

Se os anos forem generosos comigo, espero em Deus um dia poder ter muito o que contar para os meus netos, tecer relatos sobre as minhas experiências com os “chats” da Internet, que com toda certeza seriam concluídos com a seguinte afirmativa: “meus netinhos, a solidão foi o grande mal da minha geração.”
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quarta-feira, 10 de junho de 2009

Jornais, Tv e dejà vu

Um avião cheio de franceses e brasileiros caiu no mar e ainda não se achou muita coisa. Essa seria uma das várias formas de dar uma noticia de forma séria e profissional. Mas por que a imprensa insiste em fazer com que saibamos os detalhes mais sórdidos do sofrimento alheio? Tenho uma hipótese: não é por compaixão. Graças à imprensa e a sua sede em “informar”, agora eu sei quanto tempo se leva pra morrer em uma queda de avião, como se morre, se a pessoa fica acordada e tudo o que se precisa saber para possivelmente não se entrar em pânico. Já me sinto preparado. Já posso especular sobre as infinitas possibilidades do que pode ter acontecido com os corpos. Já presenciei o sofrimento de dezenas pessoas que choram em todos os programas possíveis de televisão ao lado dos estudiosos sobre segurança e trafego aéreo, que deixam de produzir suas pesquisas para disputar 15 minutos de reconhecimento no programa da Ana Maria Braga. O pior é que colocam vitimas atormentadas pelo drama de perder um ente querido, e que muitas vezes querem que se faça mais do que se é possível fazer, ao lado dos técnicos que afirmam justamente que é preciso ter cautela. É pedir um confronto direto entre a opinião técnica e o sentimento. O engraçado é que em meios de comunicação diferentes, em que se supõem pessoas de formação diferente e supostamente tendências políticas divergentes ou pelo menos conflitantes, se consegue escrever e dizer a mesma coisa. Até os mesmos acontecimentos pitorescos da tragédia são narrados por vários jornais diferentes da mesma forma.

Pierre Bourdieu, em sua mania de querer falar sobre tudo, falou dos jornais e de sua tendência a homogeneização em um livro chamado “sobre a televisão”. Em resumo, os jornais seguem a lógica da concorrência e essa lógica, que é um dos pilares da economia liberal e defendida justamente por incitar a inovação, nos jornais funciona ao contrário. O valor de uma noticia é dado por quem a veiculou primeiro, ou seja, por um fenômeno que ele chama de “circulação circular da informação” (p.30). Assim, ler jornais diferentes significa estar em um grande dejá vu de informação. Diferencia-se quem traz o detalhe primeiro e não exatamente sobre o que se pode dizer diferente sobre o assunto. Todos os desastres são assim. Crianças jogadas da janela por pais maníacos, aviões que caem, chacinas e toda ordem de fenômenos que possam render algumas semanas de especulação sem sentido. Agora porque pegar uma matéria e insistir tanto nela? Na teoria do jornalismo isso tem um nome. É um troço chamado agenda setting. Em conversa pelo MSN, minha namorada me explicou o que é isso:

Para respaldar a influência da mídia de massa no que a sociedade discute, Maxwell McCombs criou, na década de 70, o conceito de agenda setting, no qual a mídia cria a agenda da sociedade, ou seja, determina o que os indivíduos vão discutir por meio de vários critérios como relevância e valor – noticia. Tratam-se de regras relacionadas ao conhecimento profissional do jornalista. O que deve ser omitido, acrescentado na noticia quando vai ser dada” (TOURINHO, 2009).


Entenderam? Mas agora vem o melhor. Quando perguntei o que geralmente se coloca como relevante para ser mostrado ou omitido e como essas regras são definidas ela me disse:


São vários critérios. Quando se fala em critérios de seleção em um jornal, isso se remete ao gatekeeper, que é o que têm o poder de decidir o que vai ou não para o jornal. É como se a mídia decidisse o que é relevante ou não para a sociedade. A gente escolhe o que vai dar matérias futuras pela possibilidade de repercussão delas na “agenda” da sociedade. Esse tipo de matéria, como a do vôo da Air France se encaixa nas chamadas suítes. Essas podem ser definidas como matérias que são continuação das anteriores com outro gancho (enfoque). Outra coisa que acontece muito no jornal é a distorção involuntária, que é a nossa autocensura. Quando a gente trabalha numa redação, não podemos escrever qualquer coisa porque não só vivemos das assinaturas dos leitores, mas de publicidade e outras coisas. E isso influi em tudo. Aí a gente se policia pra saber o que a gente escreve. O que estuda isso é o newsmaking, que é outra metodologia, é a chamada etnografia da comunicação, o qual estuda os critérios de noticiabilidade, a cultura profissional do jornalista. A cultura do jornalista entendida como os valores da profissão. A metodologia é a observação participante" (TOURINHO, 2009.)



Podemos tirar algumas conclusões desse trecho:

1. Diferente da novela das oito, jornalistas não são sujeitos combatentes do interesse das grandes e do abuso do poder econômico. Muitas vezes são instrumentos de manutenção dela, pois precisam defender o seu ganha pão. A profissão do jornalista só tem glamour. É umas das profissões mais mal pagas que já vi e que possui uma carga de formação intelectual relativamente grande para o salário que se ganha.
2. A ilusão de que ser um jornalista é automaticamente lutar contra o que há de opressor no mundo é balela. Um jornal é uma empresa e como empresa está também interessada em números, cifras e projeções de mercado. Mas não é só o jornalismo que precisa ser “des-romantizado”. A prática da ciência precisa ser vista com menos inocência. Nem mesmo a História escapa disso, na verdade, principalmente ela. Mas isso é assunto para outro texto.



Mas essa sensação de “já isso me algum lugar” não é um privilégio dos jornais. A televisão, como meio de comunicação de massa, dá a sua contribuição na produção em escala industrial dos bens culturais. Conseguiram lançar recentemente algo pior que o BBB. Trata-se de um programa chamado “A fazenda”. Bom, pelo menos do nome eu gostei. Sei lá, tem algo de cínico em trancar vários artistas desconhecidos, lutando por reconhecimento como animais em uma jaula e batizar esse programa com o nome de “fazenda”. Mas não é um programa exatamente igual. Não contentes em copiar o formato, eles exageraram. É pior porque é o exagero do que se tem de ruim no BBB. Conseguiram arranjar uma cara pior do que Dado Dolabella. Misturaram os artistas das novelas malucas da Record, com comediantes non sense, com ex VJ`s, modelos e todo tipo de gente que vive na corda bamba do ostracismo. A diversão alheia é narrada por Brito Junior, o arauto dos valores morais da sociedade. Lembrem dele por aquele programa de todas as manhãs na Record que tem um monte de apresentadores que falam de tudo, de crise financeira até receitas de empadão passando pela crise no Oriente Médio.

O que importa concluir é uma coisa que não tem muito a ver com o que falei até agora, ou seja, enganei vocês o tempo nesse texto. O que posso concluir através do exemplo é que os jornais e a TV tem uma parcela de culpa na sensação de tédio e de monotonia que as vezes sentimos na vida. As mesmas tragédias narradas no detalhes mais sórdidos. Os acidentes e o investimento televisivo no sofrimento alheio. Ana Maria Braga, Faustão, Fantástico, Ratinho, Hoje em dia e afins. Os escândalos acompanhados em flashes constantes na TV e nos jornais. Alguns temas são mascarados com pseudo-debates, como foi o caso da menina que foi violentada, engravidou e foi excomungada pela igreja. Todo dia, eram acrescentados detalhes mínimos sem qualquer importância com uma discussão séria, que só mobilizavam carolas fanáticos e ateus porra-louca. Sinto essa sensação de repetição principalmente nesse periodo de festas juninas. É tudo a mesma coisa. Eu sei que a repetição dos rituais na cultura gera a tradição (tomara que ninguém da Antropologia leia isso) e que as vezes as mudanças só podem ser sentidas em longa duração, ou seja, no passar de muitos anos é que identificamos as diferenças nos processos que pareciam sempre iguais. Por isso que as pessoas mais velhas sempre se queixam que os carnavais de antes eram melhores. Mas cá pra nós: tem coisa mais chata do que todo ano ver aquelas matérias com Pierre Feitosa e aquela gargalhada bisonha? Ou ver os flashes do Forró-Caju? Ou até mesmo ver pela tricentésima vez Geraldo Azevedo, Elba Ramalho e Zé Ramalho cantando pout-porri de Raul Seixas? E ver concurso de quadrilha? E ver pessoas vestidas de roupa listrada, bota e chapéu de cowboy? E aquela batida de forró na sua orelha por dois meses (pum pum pupupum pum). Não tenho nada contra jornalistas. Namoro uma. Não ligo mais para o que os jornais publicam de repetido, pois já tem gente demais se preocupando com isso. Esse texto é apenas exercício de escrita. Terapia para quem não gosta de jogar bola. Qualquer coisa do tipo. Apenas um lugar em que posso me dar ao luxo de ser senso comum, pois sei que NINGUÉM VAI LER ESSA MERDA.