quarta-feira, 10 de junho de 2009

Jornais, Tv e dejà vu

Um avião cheio de franceses e brasileiros caiu no mar e ainda não se achou muita coisa. Essa seria uma das várias formas de dar uma noticia de forma séria e profissional. Mas por que a imprensa insiste em fazer com que saibamos os detalhes mais sórdidos do sofrimento alheio? Tenho uma hipótese: não é por compaixão. Graças à imprensa e a sua sede em “informar”, agora eu sei quanto tempo se leva pra morrer em uma queda de avião, como se morre, se a pessoa fica acordada e tudo o que se precisa saber para possivelmente não se entrar em pânico. Já me sinto preparado. Já posso especular sobre as infinitas possibilidades do que pode ter acontecido com os corpos. Já presenciei o sofrimento de dezenas pessoas que choram em todos os programas possíveis de televisão ao lado dos estudiosos sobre segurança e trafego aéreo, que deixam de produzir suas pesquisas para disputar 15 minutos de reconhecimento no programa da Ana Maria Braga. O pior é que colocam vitimas atormentadas pelo drama de perder um ente querido, e que muitas vezes querem que se faça mais do que se é possível fazer, ao lado dos técnicos que afirmam justamente que é preciso ter cautela. É pedir um confronto direto entre a opinião técnica e o sentimento. O engraçado é que em meios de comunicação diferentes, em que se supõem pessoas de formação diferente e supostamente tendências políticas divergentes ou pelo menos conflitantes, se consegue escrever e dizer a mesma coisa. Até os mesmos acontecimentos pitorescos da tragédia são narrados por vários jornais diferentes da mesma forma.

Pierre Bourdieu, em sua mania de querer falar sobre tudo, falou dos jornais e de sua tendência a homogeneização em um livro chamado “sobre a televisão”. Em resumo, os jornais seguem a lógica da concorrência e essa lógica, que é um dos pilares da economia liberal e defendida justamente por incitar a inovação, nos jornais funciona ao contrário. O valor de uma noticia é dado por quem a veiculou primeiro, ou seja, por um fenômeno que ele chama de “circulação circular da informação” (p.30). Assim, ler jornais diferentes significa estar em um grande dejá vu de informação. Diferencia-se quem traz o detalhe primeiro e não exatamente sobre o que se pode dizer diferente sobre o assunto. Todos os desastres são assim. Crianças jogadas da janela por pais maníacos, aviões que caem, chacinas e toda ordem de fenômenos que possam render algumas semanas de especulação sem sentido. Agora porque pegar uma matéria e insistir tanto nela? Na teoria do jornalismo isso tem um nome. É um troço chamado agenda setting. Em conversa pelo MSN, minha namorada me explicou o que é isso:

Para respaldar a influência da mídia de massa no que a sociedade discute, Maxwell McCombs criou, na década de 70, o conceito de agenda setting, no qual a mídia cria a agenda da sociedade, ou seja, determina o que os indivíduos vão discutir por meio de vários critérios como relevância e valor – noticia. Tratam-se de regras relacionadas ao conhecimento profissional do jornalista. O que deve ser omitido, acrescentado na noticia quando vai ser dada” (TOURINHO, 2009).


Entenderam? Mas agora vem o melhor. Quando perguntei o que geralmente se coloca como relevante para ser mostrado ou omitido e como essas regras são definidas ela me disse:


São vários critérios. Quando se fala em critérios de seleção em um jornal, isso se remete ao gatekeeper, que é o que têm o poder de decidir o que vai ou não para o jornal. É como se a mídia decidisse o que é relevante ou não para a sociedade. A gente escolhe o que vai dar matérias futuras pela possibilidade de repercussão delas na “agenda” da sociedade. Esse tipo de matéria, como a do vôo da Air France se encaixa nas chamadas suítes. Essas podem ser definidas como matérias que são continuação das anteriores com outro gancho (enfoque). Outra coisa que acontece muito no jornal é a distorção involuntária, que é a nossa autocensura. Quando a gente trabalha numa redação, não podemos escrever qualquer coisa porque não só vivemos das assinaturas dos leitores, mas de publicidade e outras coisas. E isso influi em tudo. Aí a gente se policia pra saber o que a gente escreve. O que estuda isso é o newsmaking, que é outra metodologia, é a chamada etnografia da comunicação, o qual estuda os critérios de noticiabilidade, a cultura profissional do jornalista. A cultura do jornalista entendida como os valores da profissão. A metodologia é a observação participante" (TOURINHO, 2009.)



Podemos tirar algumas conclusões desse trecho:

1. Diferente da novela das oito, jornalistas não são sujeitos combatentes do interesse das grandes e do abuso do poder econômico. Muitas vezes são instrumentos de manutenção dela, pois precisam defender o seu ganha pão. A profissão do jornalista só tem glamour. É umas das profissões mais mal pagas que já vi e que possui uma carga de formação intelectual relativamente grande para o salário que se ganha.
2. A ilusão de que ser um jornalista é automaticamente lutar contra o que há de opressor no mundo é balela. Um jornal é uma empresa e como empresa está também interessada em números, cifras e projeções de mercado. Mas não é só o jornalismo que precisa ser “des-romantizado”. A prática da ciência precisa ser vista com menos inocência. Nem mesmo a História escapa disso, na verdade, principalmente ela. Mas isso é assunto para outro texto.



Mas essa sensação de “já isso me algum lugar” não é um privilégio dos jornais. A televisão, como meio de comunicação de massa, dá a sua contribuição na produção em escala industrial dos bens culturais. Conseguiram lançar recentemente algo pior que o BBB. Trata-se de um programa chamado “A fazenda”. Bom, pelo menos do nome eu gostei. Sei lá, tem algo de cínico em trancar vários artistas desconhecidos, lutando por reconhecimento como animais em uma jaula e batizar esse programa com o nome de “fazenda”. Mas não é um programa exatamente igual. Não contentes em copiar o formato, eles exageraram. É pior porque é o exagero do que se tem de ruim no BBB. Conseguiram arranjar uma cara pior do que Dado Dolabella. Misturaram os artistas das novelas malucas da Record, com comediantes non sense, com ex VJ`s, modelos e todo tipo de gente que vive na corda bamba do ostracismo. A diversão alheia é narrada por Brito Junior, o arauto dos valores morais da sociedade. Lembrem dele por aquele programa de todas as manhãs na Record que tem um monte de apresentadores que falam de tudo, de crise financeira até receitas de empadão passando pela crise no Oriente Médio.

O que importa concluir é uma coisa que não tem muito a ver com o que falei até agora, ou seja, enganei vocês o tempo nesse texto. O que posso concluir através do exemplo é que os jornais e a TV tem uma parcela de culpa na sensação de tédio e de monotonia que as vezes sentimos na vida. As mesmas tragédias narradas no detalhes mais sórdidos. Os acidentes e o investimento televisivo no sofrimento alheio. Ana Maria Braga, Faustão, Fantástico, Ratinho, Hoje em dia e afins. Os escândalos acompanhados em flashes constantes na TV e nos jornais. Alguns temas são mascarados com pseudo-debates, como foi o caso da menina que foi violentada, engravidou e foi excomungada pela igreja. Todo dia, eram acrescentados detalhes mínimos sem qualquer importância com uma discussão séria, que só mobilizavam carolas fanáticos e ateus porra-louca. Sinto essa sensação de repetição principalmente nesse periodo de festas juninas. É tudo a mesma coisa. Eu sei que a repetição dos rituais na cultura gera a tradição (tomara que ninguém da Antropologia leia isso) e que as vezes as mudanças só podem ser sentidas em longa duração, ou seja, no passar de muitos anos é que identificamos as diferenças nos processos que pareciam sempre iguais. Por isso que as pessoas mais velhas sempre se queixam que os carnavais de antes eram melhores. Mas cá pra nós: tem coisa mais chata do que todo ano ver aquelas matérias com Pierre Feitosa e aquela gargalhada bisonha? Ou ver os flashes do Forró-Caju? Ou até mesmo ver pela tricentésima vez Geraldo Azevedo, Elba Ramalho e Zé Ramalho cantando pout-porri de Raul Seixas? E ver concurso de quadrilha? E ver pessoas vestidas de roupa listrada, bota e chapéu de cowboy? E aquela batida de forró na sua orelha por dois meses (pum pum pupupum pum). Não tenho nada contra jornalistas. Namoro uma. Não ligo mais para o que os jornais publicam de repetido, pois já tem gente demais se preocupando com isso. Esse texto é apenas exercício de escrita. Terapia para quem não gosta de jogar bola. Qualquer coisa do tipo. Apenas um lugar em que posso me dar ao luxo de ser senso comum, pois sei que NINGUÉM VAI LER ESSA MERDA.

11 comentários:

O herói sem nunhum caráter disse...

"Não tenho nada contra jornalistas. Namoro uma. Não ligo mais para o que os jornais publicam de repetido, pois já tem gente demais se preocupando com isso. Esse texto é apenas exercício de escrita. Terapia para quem não gosta de jogar bola. Qualquer coisa do tipo. Apenas um lugar em que posso me dar ao luxo de ser senso comum, pois sei que NINGUÉM VAI LER ESSA MERDA."

Tão imparcial quanto um jornalista da globo!! huaihauihauihauiha

tatiana hora disse...

pois é, eu também não aguento mais a história do avião... a lista dos falecidos, os pormenores todos, etc.

um dia desse eu tava passeando pelos canais e parei num desses programas apelativos. sei que a apresentadora disse algo como "mulher mata marido por ciúme... logo mais, você não pode perder!"

q!

[Kleber] disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
[Kleber] disse...

Na verdade, esse final foi falta de conclusão mesmo. E esse não é um texto falando sobre a imparcialidade.Sou tão "imparcial" quanto qualquer jornalista.
;]

marcolino joe disse...

Uma vez eu disse em algum texto que não escrevo, soluço.
No caso de Kléber ele não escreve, tropeça. Sua mente deve pipocar de coisa e ele tem apenas duas mãos para traduzir tudo o que vem.

Mas uma coisa é fato: jornais só trazem notícias de ontem.

Jornalista Grace Melo disse...

Porque eu sempre leio essa merda? hahahaha, brincadeirinha. Peguei o texto da metade pro fim, gostei da explicação sobre agenda setting. O jornalismo braasileiro pasa por uma fase de decadência sem precedentes na história. Primeiro foi engolido pelo sistema capitalista, agora qualquer pessoa pode ser jornalista, é como a coisa dos votos: quanto mais analfabeto votando melhor e melhor que isso é uma imprensa burra. Imagine esse pais daqui há vinte anos?

Jornalista Grace Melo disse...

Ah,blog atualizado com uma carta a Heloisa Helena e Ayres Britto:

http://cajueirosepapagaios.zip.net

Eline disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Eline disse...

Observando "sem observar" (pois não assisto mais tv faz muito tempo)o teatro das comunicações e entreterimento televisivo vou criando pensamentos conflitantes! Curiosa com o famoso programa novo a Fazenda(que ouvir falar pela 1ª vez aqui!), fui vê-lo no site da uol e me fez refletir o quão ridiculo chegou a televisão brasileira, e pior! ter gente que goste de ver gente idiota com "conflitos" pessoais surreais (tipo: a samanbaia se irrita com os comentários que recebe por que ela escolheu ser uma mulher "sexy"...hãm?). O nosso próprio cotidiano por si só é suficientemente conflitante...mas enfim, precisamos ter algo para abstrair,não?! Pior do que isso é assistir caminhos da India
pensando estar conhecendo um mundo cultural! conhecimento ou informação que pensamos ter quando lemos um jornal!... das 2 uma! ou fomos condicionados a isto...ou realmente gostamos de apreciar a merda em seu explendor! (poderia continuar falando com toda a minha revolta...mas vou voltar a estudar...! ) é isso ai pessoal!

Silvio Henrique disse...

A resposta é, somos condicionados, principalmente em nossa classe, que devemos questionar ou abolir qualquer indicio de senso comum. Há uma fabricação de pseudo-intelectuais eufóricos, que não passam de reflexo do que já está convencionado.
E kleber ta escrevendo bonitinho so pra ficar bem na fita... proximo passo, é ficar bem no dvd né? hehe... ¬¬

Unknown disse...

Olha,modestamente,eu ainda acho um exercicio intelectual interessante combater o senso comum. Palavras de um pseudo-intelectual eufórico.
=]