domingo, 3 de maio de 2009

A praça

Depois de uma eternidade sem postar nada, eis que consegui um tempo para escrever as inutilidades costumeiras. Esse texto é um relato etnográfico do que vejo no caminho de casa na sexta e sábado a noite. Porque isso importa? Obviamente, por nada. Caso contrário não seria um blog. Enfim... toda vez que leio alguma poesia que possui uma praça como cenário, sempre aparece em minha cabeça a imagem de um lugar de árvores e sossego. Uma cidadezinha e tal. Mas hoje em dia as praças são lugares opressores. Opressores não só porque eu que convivi com outras formas de sociabilidade. Nos conjuntos residenciais, pelo menos onde moro, andar na praça é transitar em uma espécie de campo de batalha hormonal. Toda os jovens da localidade decidem se juntar ali e dar demonstrações daquilo que os fazem ser a juventude do século XXI: motos velozes, mini-shorts e sons de mala de carro. Uma batalha de sons incompreensíveis e de demonstrações simbólicas de poder baseada na posse de determinados bens. Toda vez que desço no ponto de ônibus em uma sexta ou sábado a noite e sigo em direção a minha em casa, atravesso uma praça, e a cena que vejo é: rapazes correndo em círculos ao redor da praça com suas motos e seus carros, cada vez maiores. Lá vem o primeiro perigo. Andar em uma praça assim é como ser um animal preso no meio da corrida de Indianápolis. Coincidentemente, a praça já tem o formato de pista oval. Sem maldade, mas acredito que muitos daqueles adolescentes não compraram aquelas motos, pois quem trabalha para comprar uma moto deve ficar muito cansado pra correr em círculos como uma hamster. Cada um tenta correr cada vez mais rápido como se o mundo fosse acabar. Na verdade, uma marca característica de ser jovem é viver como se o mundo fosse acabar amanhã. Depois que crescemos, lamentamos por isso não ter acontecido. Vou andando, e aproximando-se do olho do furacão, outra que percebo nas praças de hoje em dia é que perto das motos sempre há um grupo de adolescentes do sexo feminino, trajando as roupas as bonecas que brincaram na infância. É um fardamento tão corriqueiro em uma sexta a noite que até mesmo as mais desprovidas de atributos físicos utilizam aquela roupa apertada que exige das gorduras um ato de liberdade projetando-se a frente como um cartão adiposo de visitas. Coisas da moda. O que importa dizer, é que elas são o prêmio para os famigerados corredores. São o motivo de tanta pressa. Muitas delas lembram minhas alunas (coisa de velho, né?). Na verdade, algumas delas são minhas alunas. O engraçado é que, mesmo naquele lugar cheio de gente, se você usa as pernas para andar não será percebido. Explico: ser notado nas praças é ter duas rodas. E não vale Shineray. Dentro de uma escala, a Shineray é um elo perdido entre a moto e a bicicleta. A Shineray é para quem quer chegar a algum lugar. As motos potentes são para quem não quer ir a lugar algum. Vou andando e em meio aquele turbilhão, ao lado, você nota um grupo de usuários taciturnos, fumando um baseado e espreitando a felicidade alheia, de longe, porque ali nas luzes da praça é o lugar reservado para a felicidade materializada na posse de determinados bens, simbólicos ou não. Eles carregam um olhar moribundo, a cara de quem ficou de fora da festa, sempre falando baixo e olhando desconfiados nos quiosques afastados da luz. Quem acompanhava os X-men se lembra dos Morlocks: um grupo de mutantes subterrâneos que se escondiam do “mundo de cima”. Pois é, eles são uma espécie de Morlocks da praça. Vou andando. Nas calçadas, os espécimes machos (desculpe a analogia biológica, não resisti) que não estão na moto, estão fazendo a dança do acasalamento ao som dos sucessos da Bahia, que só existem mesmo para fazer as pessoas acasalarem, dando continuidade ao projeto divino de “crescei-vos e multiplicai-vos”. O engraçado é que não é só a dança, é a forma de delimitar o espaço. Quando passo perto de um cara se expressando de forma tão “animada”, ele me olha e deve pensar: Olha o rockero! O Cabeludo! Logo em seguida, ele começa a rebolar e dançar cada vez mais frenético esperando talvez que eu vá derreter ao contato com o Axé. Acho que ele pensou que eu poderia começar a bater cabeça para confrontá-lo em uma disputa tribal. Prossigo no caminho de casa. Nas mesas dos bares, as pessoas gritam no ouvido umas das outras, porque manter o status de ter o som mais alto da praça impossibilita o detalhe da comunicação entre os seres humanos. O próximo perigo consiste em ficar surdo. Na verdade, ficar mais surdo, pois quem me conhece já sabe que não ouço muito bem. Passo ao lado daquela mala aberta, que às vezes vale mais do que o próprio carro, com um grave que parece que o coração da gente vai sair pela boca. Se um dia, o fim do mundo for conduzido a toques de tambor, será semelhante ao som grave da mala dos carros. O pior é que a música desaparece encoberta por aquele grande TUM TUM TUM TUM TUM. Consigo escutar o grave depois de chegar em casa. Ele vai pra cama comigo. Enfim, o que temos até agora para configurar o nosso cenário? 1)Uma praça com pessoas andando em círculos ou dançando freneticamente para atrair a atenção das fêmeas. 2) Calçadas cheias de pessoas que ouvem o grave ensurdecedor de uma mala de carro sem conseguir conversar. Parece loucura. Mas é o caminho que faço para chegar em casa na sexta-feira ou sábado a noite.Mas uma coisa que a Antropologia me ensinou é que cada cultura tem a sua própria lógica. Devemos sempre respeitar a forma de viver dos que são diferentes e respeitar as ambições de cada um. Jovens rapazes com um futuro repleto de grandes marcas de roupa e sons de carro. Promissoras moças que um dia andarão nas garupas de filhos de vereadores e deputados, mantendo-se sempre belas para enfeitar as motos.

13 comentários:

Unknown disse...

Pô véio vc tah ficando bom nessa coisa de escrever coisa que só têm importância num blog! Mas falando sério gostei do texto! Já pensou em fazer filosofia? Vc leva jeito pra coisa! um dia ainda vou fundar um movimento chamado Filosofia Serigy, e seus textos se encaixam perfeitamente!

PS.: Felizmente ñ preciso passar por nenhuma praça nem por uma situação semelhante qdo chego às sextas e sábados a noite!

Silvio Henrique disse...

Passo em praças quase que costumeiramente. Aracaju é uma cidade de praças, principalmente quando a ligação vem junto com construção de prédios... ainda temos praças, imagine se fosse como em algumas metropoles (viva o PAC! eheheh). Enfim, a dança moderna do acasalamento. Os providos de feiura e endurecimento financeiro sempre acabam por ultimo. Mas sem querer fazer uma analogia, tem gente que transa e cobra por isso... e quem transa e não cobra, muitas vezes pega fama de puta. Me explique isso kleber!

Unknown disse...

E sou eu quem tem que explicar é?
haha. Vo fazer um programa de rádio: "Kleber explica".Quem transa e ganha fama de puta ou tá dando pro cara errado ou tá andando no lugar errado.

tatiana hora disse...

muito legal o texto!
mas por que tudo num parágrafo só? você é Saramago? kkkk
no começo eu achei que você ia falar da bandidagem nas praças, mas comentou sobre coisa ainda pior, esse povinho de sons de carro e companhia limitada afff.

Unknown disse...

kkkkk Saramago foi foda!
A explicação para esse monólito de texto é a forma como o blog posta.Se vc coloca o texto com os parágrafos dividos, o blog só entende como um parágrafo único.
=/

Eline disse...

As praças têm uma simbologia muito importante em comunidade perifericas, é um local de encontros, de exibições, de campo de luta (para brigar mesmo) Para praças restritas tambem é um lugar de comer acarajé! Bom enfim! O fato é que a praça, estando ali no meio, tem como objetivo de promover lazer, com seus limpos campos verdes e arvores frutiferas (não é o caso do MFII e nem do SD)...lugar para as crianças brincarem e pros namoradinhos darem apertos uns nos outros. Mas as coisas mudam de forma, mas o objetivo das praças ainda continuam sendo mesmo!
P.S.: Aqui em Sp os prefeitos tem a mania de chamar qualquer canteiro de praça, são lugares perfeitos para te arrancarem celular, bolsa..relogios. Neste caso, o objetivo esta um pouco corrompido...!

tatiana hora disse...

se você der espaço duplo entre os parágrafos o texto fica normal po.

marcolino joe disse...

tem uma praça aqui, mas acho que ela já desistiu de ser praça porque sua razão de existência se perdeu em algum lugar. ninguém senta na praça, não se conversa, as crianças não brincam, ou seja, é um não-lugar (como nos explica a geografia). E olha que eu queria alugar um trailer que fica nesse não-lugar que deveria ser uma praça. Me lembra uma senhora chateada com o tempo...

[Kleber] disse...

Marquinhos traçou para nós agora uma "Ontologia das praças" ou como as praças perdem a sua razão de existir!kkkkkkkkkkkkkk Mas,de fato, nenhum lugar possui uma única finalidade, várias territorialidades são possívéis.Mas o problema é que em determinados casos, como esse que você citou, a praça perde a sua principal função enquanto espaço público: sociabilizar ou socializar(sempre confundo).

O herói sem nunhum caráter disse...

Isso tudo é pq vcs não tem som de carro!! =p

marcolino joe disse...

seu texto acaba de ser copiado e utilizado em publicação de alto teor sarcástico intiulado: "ofuio: um buiaco na paiede". reclamações através de msn, por favor.
vou citar a fonte, mas não sei se cito o autor. (hehe)

Unknown disse...

A praça é realmente um dos espaços de socialidade. Lá, vc encontra vários tribos, como os pagodeiros, emos, os malas. Como disse Marquinhos, há também o caso de se tornarem não-lugares. Ontologia das praças [2] - Conceito. kkkkkkk

Fláviabin disse...

ai ai ai lembro da época que escreviamos bobagens em um jornal... Bom texto, com algumas passagens maravilhosas. Ando feliz porque a praça do stos dumont anda em reforma.

bjoO