sábado, 12 de dezembro de 2009

Orkut: a especularização do cotidiano


Gostaria de começar esse texto com uma experiência:

Eu acordo, levanto da cama, pergunto o que tem pra comer, escovo os dentes e vou tomar café. Sento no sofá e penso no que tenho de fazer durante o dia. Penso no que está certo, no que está errado, ligo a TV, me chateio por ter ligado e não achar um desenho que preste, vou para o computador ver os emails, leio, se precisar sair, saio, volto, faço o que tenho de fazer, vejo ou ligo minha namorada, digo coisas bonitas, discuto as vezes, faço ligações, vou ao banheiro, ouço música, almoço, descanso, saio, fico em casa, vejo o jornal da noite, vou rever os emails...e por ai vai.

Terrível, né? Contando assim parece muito chato, um verdadeiro exemplo do que há mais corriqueiro na vida. E logo nós, jovens, que estamos sempre falando em viver cada instante como se fosse o último. Logo nós, adultos, que muitas vezes vivemos uma adolescência prolongada. Esse exemplo é apenas uma descrição sumária de um dia da semana na minha vida. Mas, e seu eu narrasse isso aqui durante uma semana, um mês, um ano, cinco anos, e junto a mim várias pessoas diferentes também contassem o que fazem da hora que acordam ao último “pum” que soltam antes de dormir? Contando o que gostam e o que odeiam para outras pessoas que estão o tempo todo também fazendo o mesmo, falando sobre si mesmas. Pois, isso é o Orkut, e lá isso é o que há de mais essencial: contar o cotidiano, o ordinário.

A idéia desse texto surgiu da indignação de uma amiga quem me disse: “estou pensando em matar o meu Orkut”. Perguntei o motivo e ela falou: “cansei de ver esse povo velho se mostrando, fazendo caras e bicos aqui”. O engraçado é que na hora que ela disse isso respondi: “não faça isso, Orkut é assim mesmo”. Depois pensei: “qual a diferença dela matar o orkut dela ou não?” A amizade continua a mesma”. Ai percebi o quanto essa coisa de vida virtual ganha cores de uma quase segunda vida. Dizer que vai matar um perfil não deveria ser algo tão problemático que a gente precisasse pensar tanto para fazer. Porque, fora algumas exceções, qual a verdadeira serventia do Orkut? Encontrar pessoas com quem perdi contato? Bom, das pessoas que adicionei no Orkut (e vice-versa) por tê-las reencontrado virtualmente, mantenho, com a maioria delas, a mesma relação que mantinha antes, só que agora virtual, ou seja, continuam sendo pessoas com quem perdi o contato e ainda pior, a distância antes era presencial, hoje é também virtual. E ainda acabo vendo o que elas andam fazendo todo o dia. Não parece um contra senso? Perde-se o contato com alguém, mas se sabe tudo sobre a vida dela. E a tendência é esse tipo de socialidade se acentuar cada vez mais, visto que, agora o Orkut até sugere amigos...certa vez um garoto me adicionou e eu perguntei de onde ele me conhecia. O cara responde: vi você na sugestão de amigos.

O Orkut parece amplificar de uma maneira muito estranha as relações com as pessoas e com as pequenas coisas da vida. As Novas tecnologias de comunicação como MSN, Orkut, fotolog, blog, twitter são formas de promover uma estandartização, uma espetacularização do cotidiano, do banal. Daquilo que, na frente de uma pessoa seria totalmente descabido comentar com tanta ênfase. Tem gente que não vai na esquina sem mudar o status do MSN com alguma frase, tipo: fui ali na casa de fulaninha fazer “num sei o quê” e volto em meia hora. Que vai comprar pão e coloca mais 20 fotos novas no Orkut. Vai “descer um barro” e posta no twitter. Cada momento parece ser algo pra se guardar, mesmo que seja totalmente comum, trivial. Gosto das coisas simples da vida, mas não vamos exagerar. Parece haver uma imagem a se guardar o tempo todo, em cada foto, uma maneira de se proteger do anonimato através da tentativa se ver constantemente reproduzido em vários lugares. Um perfil do Orkut muitas vezes me lembra aqueles quadros de Andy Warhol em que uma imagem é repetida diversas vezes em cores diferentes.


Uma tentativa de mitificar a própria imagem. Um mundo onde todas as janelas levam a você, quando na verdade, vários outros vive essa mesma sensação de que são únicos. Tudo é apavorantemente colorido, enfeitado e com mil e uma possibilidades de exercício narcísico. É o seu dia e sua vida contada com imagens, vídeos, som e se tivesse cheiro, não duvido que algumas pessoas colocassem a sua própria comida no orkut.Os sentimentos estão sempre a flor da pele, todo mundo ama, abraça, sorri, beija, adora o tempo todo e todos tem algo interessante pra dizer, um álbum cheio de preferências, de livros, de bandas, de coisas que fazem parte de sua vida, mas que precisam ser divididas, pois todos precisam saber quem você é. Claro que eu sou uma pessoa suspeita para falar, como sempre sou me qualquer texto, pois sou desconfiado com efusividade, com demonstrações de afeto exageradas ou com defesas extremas das preferências. Sou um chato, em resumo.


Mas é claro que o Orkut tem a sua utilidade. Conhecer eventos, ver as fotos de um show, baixar livros, músicas etc. O problema é que tudo isso vem flutuando em meio em um mar de entulho cotidiano, em meio a vários jogos do "beija ou morde?", do "você pegaria a pessoa acima?" ou de "pega ou passa fora?". Obviamente que é um lugar de informação. Se é pra usar o termo "navegar", diríamos que, navegar no orkut é fazer um passeio pelo rio tiête da vaidade, mas onde ainda é possível encontra coisas que valem a pena ser lidas, vistas e comentadas.


Mas não se preocupem, sou tão parte disso quanto qualquer um de vocês. Faço parte desse pacto silencioso de vigilância (ou monitoramento para os mais eufêmicos) da vida alheia.Do vouyerismo de cada dia. É justamente por ser exagerado e parcial que esse texto pode ser lido, divulgado ou execrado. E isso é algo que pode incomodar as pessoas que conseguem ver muita utilidade no orkut. Mas acho que não são muitas e é por isso que sinto, no fim das contas, a sensação de que NINGUÉM VAI LER ESSA MERDA.

7 comentários:

tatiana hora disse...

hehe
adoro matar meus perfis.
cometo orkuticídio sem nenhum problema. não tenho apego nenhum ao meu perfil.
agora faço parte dessa merda.haha.
pelo menos agora só tenho pouco mais de 10 amigos adicionados e nenhuma comunidade \o/
vamos ver até quando...

Silvio Carreiro disse...

Mandou bem. Merece entrar na tirinha do Dahmer, or kut.

Unknown disse...

Não vou dizer mais uma vez que gostei do seu texto porque sou suspeita por ser sua ada. Realmente vc escreve direito. Realmente, o orkut é mais uma opção para exibição do cotidiano. Afinal de contas, é o site de relacionamento, como twitter, facebook, onde os internautas tem a oportunidade de mostrar como gostariam de ser vistos.
É como se fosse uma local onde houvesse uma suposta liberdade (claro que não é e não vamos ser ingenuos para acreditarmos nisso).
Por outro lado, é um excelente objeto de estudo para a comunicação e para sociologia, onde é pouco explorado, o que é uma pena.

Elaine Crespo disse...

Kleber!

Adorei mesmo sua visão verdadeira,também pertenço a quase todos os sites de relacionamento (risos), mas é isto mesmo tudo que vc disse tem fundamento e verdade!! Já matei um perfil pq enchi da cara dele.:(

Mais tem vantagens, conheci pessoas, chorei com algumas, transformei amigos virtuais em reais(Wesley PC e outros).

Mais tem hora que da vontade de excluir tudo quando noto que já vivo através deles. Ai paro e do um tempo!!

Adorei como sempre teus posts e este não poderia deixar de comentar!

Sempre tem gente lendo!

Beijos no coração!!

Elaine

wille disse...

orkut realmente não me atrai nenhum pouco. tenho um perfil lá que só uso praticamente pra responder e escrever recados pros amigos que não são adeptos do uso de e-mail. gosto muito do twitter e é lá que mais interajo (e tbm no meu blog).

as comunidades do orkut não funcionam direito porque não tem como eu saber que algo que eu escrevi teve alguma resposta. com exceção disso, a culpa do orkut ser ruim não é da tecnologia, mas sim das pessoas.

ah. cheguei no teu blog pelo orkut... rsrsr

Joy Hurt disse...

Cara... Você sabe escrever.

marcolino joe disse...

eu acabei com meu orkut porque era muita queimação com as namoradas. Ao invés de atacar a minha libido, descarreguei um pente de 45 no orkut. Eu queria mesmo um dia não ficar preocupado porque esqueci o celular em casa...
Ótimo texto. Análise crua e feliz.